Deputados do PL são acusados pelo TRE-MG de promover campanha difamatória com uso de obra literária para associar o então prefeito à pedofilia
TRE-MG aceita denúncia do Ministério Público e abre ação contra parlamentares bolsonaris
O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) acolheu denúncia apresentada pelo Ministério Público do Estado (MPMG) e tornou réus quatro integrantes do Partido Liberal (PL) por disseminação de fake news durante a campanha eleitoral à Prefeitura de Belo Horizonte em 2024. Foram alvos da ação o deputado federal Nikolas Ferreira, os deputados estaduais Bruno Engler e Delegada Sheila, além da coronel Cláudia Romualdo, candidata a vice-prefeita na chapa encabeçada por Engler.
A decisão foi assinada pelo juiz Marcos Antônio da Silva, da 29ª Zona Eleitoral, e foi publicada no sistema do TRE-MG na última quarta-feira (23/7). O magistrado acatou os argumentos do MPMG, que acusa os políticos de conduzirem uma “campanha sistemática de desinformação” com objetivo de prejudicar o então prefeito Fuad Noman (PSD), adversário direto de Engler no pleito.
A pena prevista para o caso, em caso de condenação, inclui a possibilidade de inelegibilidade.
Acusações envolvem manipulação de conteúdo literário e associação criminosa
O núcleo da denúncia envolve a utilização, em peças de campanha, de trechos do livro Cobiça, de autoria de Fuad Noman. Vídeos produzidos e compartilhados pelos acusados citam passagens que narram o estupro fictício de uma menina de 12 anos — conteúdo distorcido para associar o ex-prefeito à pedofilia e à erotização infantil. O objetivo, segundo o Ministério Público, era atingir diretamente a honra do então candidato à reeleição e influenciar o eleitorado na reta final da campanha.
O processo inclui os vídeos usados na campanha de Bruno Engler, com participação de todos os réus, nos quais os trechos do livro são explorados de forma a sugerir desvio de conduta por parte de Fuad. O juiz entendeu que a conduta pode configurar violação penal e deu prazo de dez dias para que os réus confirmem o recebimento da notificação processual.
Nikolas Ferreira é apontado como principal articulador
Entre os acusados, o deputado federal Nikolas Ferreira é citado como peça-chave da ofensiva. De acordo com o Ministério Público, ele foi o responsável pela produção do conteúdo de maior alcance digital, com alto índice de engajamento nas redes sociais. Apesar de decisão anterior da 331ª Zona Eleitoral determinar a retirada dos vídeos do ar, o parlamentar voltou a publicar material semelhante, descumprindo a ordem judicial.
Campanha foi marcada por tensão e uso de estratégia de última hora
Bruno Engler encerrou o primeiro turno das eleições municipais de 2024 na frente, com 34,38% dos votos válidos — cerca de 100 mil a mais que Fuad Noman, que ficou em segundo lugar com 26,54%. A disputa no segundo turno foi acirrada, com avanço de Fuad nas pesquisas graças ao apoio de candidatos de esquerda e ao desgaste da imagem do bolsonarismo entre parte do eleitorado da capital mineira.
Inicialmente, a campanha de Engler adotou tom técnico e comedimento nos ataques. No entanto, a estratégia mudou na última semana do pleito, quando os ataques com base no livro Cobiça ganharam protagonismo nos materiais de propaganda, sendo posteriormente retirados por determinação da Justiça Eleitoral.
Saúde debilitada afastou Fuad de debates e marcou reta final da campanha
Durante o segundo turno, Fuad Noman enfrentava tratamento contra um linfoma não Hodgkin, tipo de câncer que compromete o sistema linfático. A condição o impediu de participar da maioria dos debates televisivos e radiofônicos, comparecendo a apenas dois dos oito eventos para os quais foi convidado. Ainda assim, foi reeleito com 53,73% dos votos no segundo turno, em chapa com Álvaro Damião (União Brasil).
Após a vitória, a saúde de Fuad se deteriorou rapidamente, resultando em diversas internações e, por fim, em seu falecimento no fim de março de 2025.
Família será ouvida como testemunha de acusação
A denúncia apresentada pelo MPMG inclui Fuad, sua esposa e seus filhos como testemunhas de acusação. A expectativa é que os familiares relatem os danos emocionais sofridos pelo ex-prefeito durante a campanha, especialmente em função da distorção de sua obra literária para fins eleitorais.
O atual prefeito de Belo Horizonte, Álvaro Damião, também comentou os ataques, em entrevista recente. “Ele ficou muito sentido. Se alguém quer saber se aquilo abalou o Fuad, abalou. Abalou ele e a família dele aquela história que inventaram aos 44 do segundo tempo para tentar ganhar a disputa que já estava perdida para eles”, afirmou.
Réus evitam comentar o processo
Até o momento da última atualização desta reportagem, os deputados Nikolas Ferreira, Bruno Engler e Delegada Sheila não haviam se manifestado sobre a ação. A equipe da coronel Cláudia Romualdo informou que ela está tranquila quanto à sua conduta e que se pronunciará apenas no âmbito judicial.
Nikolas e Engler integram a linha de frente do bolsonarismo em Minas Gerais. Nikolas, inclusive, é cotado como possível candidato ao governo estadual em 2026 e é tido como favorito para manter sua vaga na Câmara dos Deputados, tendo sido o mais votado do país em 2022.