Epidemia silenciosa: hepatites ainda desafiando o sistema de saúde
Marcado pela cor amarela, o mês de julho acende o alerta para um conjunto de doenças que seguem com alta incidência no Brasil e baixa visibilidade entre a população: as hepatites virais. Embora sejam infecções que atacam diretamente o fígado e possam desencadear complicações severas, como cirrose e câncer hepático, muitas delas permanecem assintomáticas, retardando o diagnóstico e comprometendo o tratamento adequado.
Dados do Ministério da Saúde apontam que, entre os anos de 2000 e 2024, foram registrados 826.292 casos de hepatites virais no país. Do total, 21,2% correspondem à hepatite A (174.977), 36,6% ao tipo B (302.351), e 41,5% à hepatite C (342.328). Já os tipos D e E aparecem com menor prevalência: 0,6% (4.722 casos) e 0,1% (1.914), respectivamente.
Fatores de risco e evolução silenciosa
Além das causas virais, outros fatores podem estar relacionados ao surgimento da doença, como uso prolongado de medicamentos, consumo excessivo de álcool e condições genéticas. Especialmente nos casos de hepatites B e C, a ausência de sintomas evidentes dificulta o diagnóstico precoce e permite que a infecção evolua sem ser detectada.
“Muitas vezes a doença é assintomática e o indivíduo só vai perceber em fase avançada, já com cirrose ou mesmo câncer de fígado. Por isso a testagem é tão importante”, adverte a hepatologista Daniela Carvalho, da clínica Gastrocentro.
Formas de transmissão e sintomas mais frequentes
A maneira como a hepatite viral se transmite varia conforme o tipo. As hepatites A e E são transmitidas por ingestão de água ou alimentos contaminados. Já os tipos B, C e D estão ligados a práticas que envolvem contato com sangue infectado, relações sexuais sem proteção e compartilhamento de objetos perfurocortantes, como seringas, alicates de unha e lâminas de barbear.
Entre os principais sinais clínicos, estão:
- Icterícia (pele e olhos amarelados)
- Perda de peso sem causa aparente
- Cansaço persistente
Apesar dos sintomas, é comum que muitos portadores não apresentem qualquer incômodo perceptível.
Testagem, prevenção e abordagens terapêuticas
A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda que todas as pessoas façam testes ao menos uma vez na vida. Para as hepatites crônicas, como B e C, exames laboratoriais específicos auxiliam no diagnóstico. Já os tipos A e B contam com vacinas disponíveis e eficazes.
O tratamento é definido conforme a origem da doença. “Algumas têm cura, como a C, as medicamentosas e as causadas por alguns vírus, como o da hepatite A. Outras, como as hepatites autoimunes, a hemocromatose e a hepatite viral B, podem ser controladas com medicamentos específicos, como imunossupressores, antivirais, ácidos biliares sintéticos e quelantes”, explica Carvalho.
Estigmas persistentes dificultam avanço na testagem
A prevenção também exige mudanças de comportamento e eliminação de preconceitos. “É muito importante usar preservativos, não compartilhar objetos cortantes, como seringas, alicates de unha e barbeadores. Além disso, as pessoas devem fazer testes regularmente”, orienta a especialista.
Segundo o infectologista Henrique Lacerda, do Hospital Brasília, as desigualdades sociais e regionais ainda comprometem o enfrentamento das hepatites. “Há desigualdades regionais, especialmente no Norte e em áreas rurais ou indígenas, além de barreiras sociais que dificultam o acesso de populações-chave. Investir em busca ativa e descentralização do cuidado é essencial”, defende.
O especialista também alerta para o impacto do estigma. “Outro mito é o medo de transmissão por contato cotidiano, o que gera estigma e isolamento. Combater a desinformação é fundamental para ampliar a testagem, o tratamento e reduzir o preconceito”, afirma.