Pesquisadores confirmam que as listas de vítimas fornecidas pelo Ministério da Saúde de Gaza subestimam a verdadeira magnitude do conflito, com números muito mais altos do que os divulgados.
A guerra em Gaza: um novo olhar sobre as vítimas
Com a guerra em Gaza intensificando-se e as autoridades israelenses mantendo severas restrições de acesso à região, os números de vítimas da guerra são frequentemente questionados. Tradicionalmente, o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, tem sido a principal fonte de dados sobre as vítimas, mas seus números são frequentemente desacreditados por Israel, que alega que os dados são exagerados. No entanto, um estudo independente revela que a verdadeira quantidade de mortos pode ser ainda maior do que as estimativas oficiais.
O estudo de Michael Spagat: uma contagem mais realista das vítimas
O economista Michael Spagat, especialista em conflitos contemporâneos, liderou um estudo que estima que até o início de janeiro de 2025, mais de 80 mil palestinos haviam perdido a vida na guerra entre Israel e Gaza. Este número representa um aumento de 65% em relação aos dados fornecidos pelo Ministério da Saúde de Gaza, que reportou 45.650 mortos até o mesmo período.
Spagat, que dedica seu trabalho à análise de conflitos e à contagem de vítimas, enfatiza a importância de lembrar e registrar o nome de cada vítima. Ele observa que as listas do Ministério da Saúde, apesar de serem frequentemente criticadas, são “amplamente corretas”, pois apresentam os nomes dos mortos, com números de identificação, idades e sexos. No entanto, um estudo anterior, publicado na revista científica The Lancet, mostrou que alguns nomes estavam ausentes dessas listas, confirmando que o número real de mortos provavelmente era maior.
Pesquisadores em campo: uma abordagem independente
A equipe de Spagat, junto a colaboradores do Centro Palestino para Políticas e Pesquisas de Opinião (PCPSR), realizou uma pesquisa independente diretamente em Gaza. Em um território sob rígido bloqueio israelense, com exceção de algumas organizações humanitárias, o estudo entrevistou 2.000 famílias em áreas não isoladas pelo exército israelense, como o acampamento de Al-Mawasi. Embora não tenha sido possível acessar zonas de combate direto, o estudo revelou números alarmantes.
Entre 7 de outubro de 2023 e 5 de janeiro de 2025, o estudo calculou 75.200 mortes diretas, o que é 65% superior ao número de mortes registrado pelas autoridades locais. Com uma população de cerca de 2,3 milhões no início da guerra, isso significa que aproximadamente uma em cada 25 pessoas na região foi morta.
Mortes indiretas: o impacto das condições de guerra
Além das mortes diretas, o estudo considerou as chamadas “mortes indiretas”, causadas por desnutrição e doenças provocadas pela guerra. Embora o número de mortes indiretas tenha sido estimado em 8.540, Spagat argumenta que este valor é menor do que as projeções anteriores, que sugeriam um número muito maior. Ele atribui isso ao fato de que a população de Gaza, antes da guerra, tinha uma saúde relativamente boa, com uma alta taxa de vacinação e cuidados médicos proporcionados por organizações internacionais.
No entanto, o impacto do bloqueio total imposto por Israel às entregas de ajuda humanitária entre novembro de 2024 e janeiro de 2025 pode agravar ainda mais a situação. “A população de Gaza está desnutrida, e o risco de doenças fatais aumenta exponencialmente sem a ajuda necessária”, alerta Spagat.
A demografia das vítimas: o perfil das perdas humanas
Um dado particularmente chocante do estudo é o alto número de crianças e adolescentes entre as vítimas. De acordo com os pesquisadores, mais de 30% das mortes diretas foram de pessoas menores de 18 anos. Além disso, 22% das vítimas foram mulheres e cerca de 4% eram idosos com mais de 65 anos. A maioria das mortes ocorreu entre homens de 15 a 49 anos, o que não significa que esses indivíduos tenham sido especificamente alvos militares, mas sim que, em guerras, os jovens são sempre as maiores vítimas.
Spagat enfatiza que a equipe de pesquisa não fez distinção entre combatentes e civis, pois isso teria colocado os pesquisadores em risco de serem considerados agentes do serviço secreto israelense. Isso também impossibilitou a coleta de dados sobre a presença de membros do Hamas nas casas das vítimas.
Cem mil mortos: uma estimativa que ecoa a tragédia humana
Com base nos dados de sua pesquisa, Spagat e sua equipe projetam que o número de mortos em Gaza pode atingir 100 mil até o final de 2025, um número difícil de imaginar, mas que representa a tragédia de milhares de vidas perdidas. Entre as vítimas, destacam-se histórias como a da família al-Najjar, cujos filhos foram mortos em um ataque aéreo israelense em Khan Yunis, enquanto a mãe, médica, estava no hospital e sobreviveu.
Conclusão: a guerra de Gaza e o custo humano
O estudo independente liderado por Spagat e seus colegas fornece uma visão mais clara e realista sobre as consequências humanas da guerra em Gaza. Embora o número de vítimas ainda não seja definitivo, os dados revelam uma tragédia de proporções imensas, com o impacto sobre crianças e mulheres particularmente devastador. Em um cenário de guerra, os números podem ser facilmente distorcidos ou minimizados, mas a realidade das perdas humanas está além das estatísticas — está nas histórias pessoais e no sofrimento de uma população que continua a lutar pela sobrevivência.
( Com DW )