As viagens internacionais realizadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu terceiro mandato já custaram mais de R$ 50 milhões aos cofres públicos, conforme dados obtidos pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Os valores incluem despesas com hospedagem, logística e serviços de apoio, como aluguel de equipamentos, telefonia e internet.
Despesas com hospedagem concentram a maior parte dos custos
De acordo com informações fornecidas pelo Departamento do Serviço Exterior do Itamaraty, apenas as despesas com hospedagem de Lula e sua comitiva somaram R$ 47 milhões entre janeiro de 2023 e maio de 2025. Já os gastos logísticos no mesmo período, que incluem aluguel de equipamentos e serviços de comunicação, totalizaram US$ 599,8 mil — o equivalente a R$ 3,35 milhões, considerando a cotação atual.
Esses valores não englobam os custos da visita de Estado à França, em andamento nesta semana, nem da viagem a Pequim no mês passado, cujas despesas não foram detalhadas pelo Itamaraty.
Polêmicas marcam viagens mais caras
A viagem internacional mais dispendiosa — e controversa — de Lula neste ano foi a ida a Moscou para participar das celebrações do Dia da Vitória, evento que marca a rendição nazista na Segunda Guerra Mundial. Apenas com hospedagem na Rússia, o governo gastou R$ 1,9 milhão. Na ocasião, Lula se encontrou com o presidente Vladimir Putin, a quem prometeu estreitar laços estratégicos. A visita provocou críticas da oposição, que questionou o encontro em meio à guerra entre Rússia e Ucrânia.
“Lula abraçou calorosamente Vladimir Putin por sua própria iniciativa. Represento o Paraná, que conta com cerca de 500 mil descendentes de ucranianos. Falo por mim e por eles: a conduta de Lula é ofensiva e vergonhosa”, declarou o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) em sua conta na rede social X.
Assembleia da ONU lidera ranking de custos
Entre todas as viagens, as mais onerosas para os cofres públicos foram as participações na Assembleia Geral da ONU, em Nova York. Em 2023, os custos chegaram a R$ 7,6 milhões, enquanto em 2024 somaram R$ 6,4 milhões. O alto custo de vida e as diárias de hotéis na metrópole norte-americana ajudam a explicar os valores elevados. Na última viagem, Lula e a primeira-dama, Rosângela Lula da Silva (Janja), hospedaram-se no Lotte New York Palace, onde as diárias em setembro podem variar de US$ 595 (R$ 3,3 mil) a US$ 1.595 (R$ 8,9 mil).
Somente em 2023, primeiro ano de seu terceiro mandato, o governo desembolsou R$ 29 milhões em hospedagem internacional, durante visitas a 24 países em quatro continentes — apenas a Oceania ficou de fora.
Diplomacia intensa marca agenda internacional
Durante a atual gestão, Lula participou de diversos encontros multilaterais, como a Assembleia Geral da ONU (Nova York), a reunião do G7 (Hiroshima), a cúpula do G20 (Nova Délhi) e a cúpula da Celac (Buenos Aires). No evento de relançamento da Celac, em janeiro de 2023, Lula destacou o retorno do Brasil ao cenário internacional: “No meu primeiro pronunciamento após as eleições, afirmei que o Brasil estava de volta ao mundo. Nada mais natural do que começar esse caminho pela Celac”, afirmou.
No governo anterior, o Brasil havia se afastado da Celac. Em 2020, o então presidente Jair Bolsonaro suspendeu a participação do país no bloco, alegando que o grupo servia de palco para regimes não democráticos.
Redução de gastos e críticas à falta de transparência
Levantamento feito pela reportagem indica uma redução nos custos com hospedagem em 2024, que somaram R$ 12,7 milhões, enquanto em 2025, até o momento, as despesas alcançam R$ 5,3 milhões, em nove países visitados. Ainda assim, especialistas questionam a necessidade de tantas viagens e o tamanho das comitivas. “São gastos excessivos com deslocamentos. A seleção de quem acompanha o presidente precisa ser mais criteriosa e a transparência, mais efetiva”, analisa o cientista político Sérgio Praça.
Logística internacional também onera cofres públicos
As despesas com aluguel de salas, veículos, combustível, intérpretes e coffee breaks totalizaram US$ 5,6 milhões (R$ 31,6 milhões) e € 2,8 milhões (R$ 17,9 milhões), de acordo com dados do Itamaraty. A reportagem considerou apenas os gastos em dólar e euro, desconsiderando valores apresentados em moedas locais.
Questionada, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência afirmou que as viagens internacionais são essenciais para reposicionar o Brasil no cenário global e retomar relações econômicas e comerciais estratégicas. O Itamaraty, por sua vez, recomendou que eventuais esclarecimentos adicionais fossem solicitados por meio da LAI.
Transparência e prestação de contas
Especialistas defendem maior transparência na divulgação dessas informações. “Trata-se de um gasto elevado e estratégico, o que exige prestação de contas detalhada e clara”, avalia Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil. “Ainda que a LAI permita acesso a dados, a assessoria de imprensa de qualquer órgão público deve cumprir sua função de atender aos questionamentos da imprensa”, completa.
( Com Malu Gaspar / O Globo )