Data é marcada por mobilizações desde o século 19 e segue como símbolo das lutas por direitos trabalhistas
O 1º de maio, celebrado em diversos países como o Dia do Trabalhador, é mais do que uma efeméride comemorativa: trata-se de uma data que remonta a intensas batalhas por direitos e melhores condições laborais. Sua origem remete a 1886, em Chicago, nos Estados Unidos, onde grevistas exigiam jornadas de trabalho mais humanas — então de até 14 horas diárias — e enfrentaram repressão violenta.
Conforme destaca o historiador Samuel Fernando de Souza, docente da Escola Dieese de Ciências do Trabalho, o episódio ficou conhecido como a “tragédia de Haymarket”. À época, os trabalhadores defendiam a adoção da jornada de 8 horas e protestavam contra ambientes laborais insalubres.
“Esses trabalhadores foram duramente reprimidos, e vários líderes foram condenados à morte, por conta dessa revolta. E, durante a Internacional Socialista de 1889, decidiu-se a data de 1º de maio como dia de luta da classe trabalhadora, bem como de homenagem aos trabalhadores”, explica Souza.
A socióloga Laura Valle Gontijo, professora da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em relações de trabalho, lembra que os protestos em Chicago terminaram com a explosão de uma bomba, fato que intensificou a violência policial contra os manifestantes.
“Isso acabou sendo usado como justificativa para a polícia [de Chicago] atirar contra os manifestantes, deixando quatro mortos e centenas de presos e feridos. Oito trabalhadores foram acusados de conspiração, mesmo sem evidências diretas; sete foram condenados à morte; e outros vários a uma pena de 15 anos de prisão. Um dos condenados à morte suicidou-se na prisão e outros quatro foram enforcados. É em memória a esses trabalhadores que se comemora a data”, relata a pesquisadora.
1º de Maio no Brasil: entre celebração e disputa simbólica
No contexto brasileiro, o 1º de maio começou a ser celebrado por volta de 1891, inicialmente em cidades como Rio de Janeiro e Porto Alegre. Com o tempo, passou a ser institucionalizado como uma data oficial.

Segundo Samuel Souza, a data sempre esteve associada às mobilizações sindicais, mas foi alvo de disputas políticas. “Sempre foi um símbolo do movimento dos trabalhadores organizados, mas posteriormente a data foi bastante disputada, na tentativa de reapropriá-la simbolicamente”, afirma.
Durante o governo de Getúlio Vargas (1930–1945), a data foi ressignificada como Dia do Trabalho, sendo utilizada para anunciar conquistas sociais, como o lançamento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “Na década de 1950, quando Vargas volta ao poder, ele continua se utilizando dessa data, normalmente para anunciar o aumento do salário mínimo”, completa Souza.
Resgate do caráter combativo
Nos anos finais da década de 1970, o movimento sindical brasileiro iniciou um processo de resgate do sentido original do 1º de maio, em meio à luta contra a ditadura militar e pela redemocratização. Esse período ficou conhecido como o “Novo Sindicalismo”, protagonizado por categorias como os metalúrgicos do ABC paulista.
“Foi ali que foram retomados muitos dos símbolos da classe trabalhadora, em meio aos movimentos do ABC e dos metalúrgicos, que fizeram surgir o Lula [posteriormente eleito presidente do Brasil] como uma figura principal e liderança naquele momento de lutas pela classe trabalhadora”, lembra o historiador.

Trabalho x Trabalhador: a disputa de narrativas
Para Laura Gontijo, há uma tentativa recorrente das elites econômicas de esvaziar o conteúdo político da data. “Tentaram transformar o 1º de maio em uma data sem sentido e sem conteúdo, como se fosse uma mera celebração de algo que, também, não fica muito claro o que é”, diz.
Ela compara a situação ao que ocorre com o Dia Internacional da Mulher, também alvo de tentativas de despolitização. “No caso dos trabalhadores, a data atualmente visa fortalecer a luta pela redução da jornada de trabalho; por melhores salários; e pelo fim da escala 6×1, entre outras demandas”, pontua.

Desafios atuais: pejotização e plataformas digitais
Entre as pautas mais urgentes, a professora da UnB menciona a defesa de direitos ameaçados por práticas como a pejotização — em debate no Supremo Tribunal Federal —, e a ausência de regulamentação das plataformas digitais de trabalho.
“Esse trabalhador contratado como pessoa jurídica não está protegido pela legislação trabalhista, que determina, por exemplo, a limitação da jornada de trabalho”, observa Gontijo. Ela acrescenta que motoristas e entregadores de aplicativos chegam a trabalhar até 80 horas semanais, segundo entrevistas realizadas em pesquisa de 2022.

“Dois séculos se passaram e continuamos vendo trabalhadores fazendo uma jornada extremamente longa e excessiva, muito além das 44 horas semanais previstas na legislação”, afirma.
Escala 6×1 e o direito ao descanso
O debate sobre a escala de seis dias de trabalho por um de descanso (6×1) voltou ao centro das discussões no Congresso Nacional, com propostas de ampliar os dias de folga. “Isso inviabiliza até mesmo o dia para que o trabalhador fique com sua família, para ele descansar ou mesmo para cuidar dos afazeres domésticos. Isso é insustentável”, critica a socióloga.
Segundo ela, a lógica atual tem gerado trabalhadores “desvalorizados, desmotivados e submetidos a condições extremamente ruins”.

Jornada mais curta e valorização do tempo
A redução da jornada semanal de trabalho para 35 ou 36 horas é apontada por Gontijo como pauta essencial. Ela defende também a inclusão do tempo de deslocamento nas grandes cidades como parte da jornada legal.
“Não adianta apenas você colocar o fim da escala 6×1 sem estabelecer um limite da jornada diária”, reforça. Para ela, a experiência francesa, onde a carga semanal foi reduzida para 35 horas desde 1998, serve como exemplo positivo de avanço.
Tecnologia e desigualdade
Apesar dos avanços tecnológicos elevarem a produtividade das empresas, Gontijo observa que os ganhos não têm sido repassados aos trabalhadores. “A quantidade de mais-valia fica ainda maior, porque os trabalhadores estão trabalhando muito mais horas e a produtividade tem sido muito maior”.
Segundo a pesquisadora, isso evidencia que a tecnologia tem sido usada para aprofundar a exploração da força de trabalho, e não para promover melhores condições de vida.
(Com Agência Brasil)