Potências atingidas pelas barreiras dos EUA diversificam mercados; Xi Jinping busca parcerias na Ásia e Europa intensifica diálogo com países emergentes
A estratégia de “reduzir riscos, diversificar e redirecionar o comércio”, amplamente usada no Ocidente para conter a crescente influência da China, agora se volta contra os Estados Unidos. A escalada tarifária promovida pelo presidente Donald Trump, que já impõe até 145% de impostos sobre produtos chineses, gerou impactos globais, com reflexos nos mercados financeiros de Sydney a São Paulo.
Segundo a consultoria britânica Capital Economics, caso Washington mantenha as tarifas em vigor, as exportações chinesas para os Estados Unidos devem encolher pela metade nos próximos anos, com potencial de reduzir o crescimento do PIB chinês em até 1,5 ponto percentual.
Diante desse cenário, a China tem adotado medidas diplomáticas para fortalecer relações comerciais na Ásia. Nesta semana, Pequim retomou diálogos econômicos com Japão e Coreia do Sul — os primeiros em seis anos. Para Diana Choyleva, economista-chefe da Enodo Economics, o movimento “sugere que as potências regionais estão reavaliando suas relações em resposta à incerteza americana”. Apesar de Seul negar qualquer plano de resposta conjunta às tarifas, o restabelecimento da cooperação trilateral é visto como sinal de uma reconfiguração estratégica na região.
O presidente Xi Jinping também deve intensificar os laços com o Sudeste Asiático. Viagens ao Vietnã, Malásia e Camboja estão agendadas para os próximos dias. A China, que já possui laços comerciais profundos com os vizinhos regionais, movimentou cerca de US$ 872 bilhões em comércio com o Sudeste Asiático em 2023, segundo dados oficiais. A tendência, avalia-se, é de alta.
“Com o mercado americano cada vez mais restrito, [os fabricantes chineses] procurarão oportunidades em regiões que antes não exigiam tanto esforço ou investimento”, afirmou Deborah Elms, diretora da Hinrich Foundation, com sede em Singapura. Segundo ela, poderá haver uma “explosão inicial” de produtos asiáticos de baixo custo no mercado global, mas as empresas chinesas deverão ajustar rapidamente seus portfólios. “Elas não continuarão produzindo bens sem margem de lucro. Se o fizerem, estarão fora do mercado”, conclui.
Europa mira o Sul Global, mas enfrenta entraves internos
A União Europeia também vê suas exportações sob risco. Embora suspensa por 90 dias, uma tarifa de 20% sobre bens europeus está prevista pelos EUA. Assim como a China, o bloco europeu busca diversificar seus destinos comerciais e intensifica os diálogos com países do Sul Global.
Durante visita ao Vietnã nesta semana, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, defendeu que a Europa “explore novos mercados” e reforçou o compromisso de Madri com a ampliação do comércio com o Sudeste Asiático. No entanto, os desafios internos persistem.
Varg Folkman, analista do European Policy Centre (EPC), destacou a resistência dentro do próprio bloco a novos acordos comerciais, especialmente no caso do tratado entre UE e Mercosul, travado há décadas. “Os acordos são controversos. Mesmo com a atual urgência, será difícil implementá-los”, afirmou.
Além das dificuldades políticas, a Europa pode enfrentar nova pressão competitiva. Segundo o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), com sede em Washington, o excesso de oferta chinesa provocado pelas barreiras dos EUA pode ser redirecionado à Europa, gerando uma avalanche de produtos subsidiados que ameaçam a indústria local.
A situação é particularmente delicada no setor automotivo. Graças a incentivos estatais, montadoras chinesas como BYD, Nio e Xpeng têm avançado fortemente no mercado europeu, oferecendo veículos elétricos a preços significativamente menores. Com isso, fabricantes locais têm enfrentado queda nas vendas, reestruturações e risco de demissões em massa, sobretudo na Alemanha.
Enquanto os EUA impuseram tarifas de 100% sobre os carros chineses — o que virtualmente barra sua entrada no país —, as alíquotas da UE variam conforme a montadora, com teto de 35,3%. No caso da BYD, por exemplo, o imposto é de 17%.
Bruxelas sob pressão: entre livre comércio e protecionismo
A pressão por uma reação mais firme cresce em Bruxelas. Jörg Wuttke, ex-diretor da Basf na China, alertou para um “tsunami” de exportações chinesas rumo à Europa e defendeu “melhor comunicação e confiança” entre europeus e chineses para evitar práticas de dumping.
A União Europeia já havia criado, em 2023, uma força-tarefa de vigilância para monitorar aumentos anormais nas importações e acelerar respostas antidumping. A iniciativa visa proteger a indústria europeia diante de suspeitas crescentes sobre práticas desleais, como venda de produtos abaixo do custo de produção.
Contudo, uma resposta protecionista semelhante à dos EUA pode custar caro à imagem da UE como defensora do livre comércio. Especialistas alertam que isso enfraqueceria a Organização Mundial do Comércio (OMC) e poderia agravar a escalada de tensões comerciais no cenário global.
Produção chinesa ainda depende dos EUA
Apesar da retaliação de Pequim às tarifas impostas por Trump, elevando tributos sobre produtos americanos, a China enfrenta dificuldades para adaptar sua produção a novos mercados. Boa parte da indústria chinesa é voltada a atender especificidades do consumidor norte-americano, o que limita o redirecionamento imediato para o mercado interno ou para outros países.
Com isso, o presidente Xi Jinping vem reiterando, nos discursos mais recentes, a promessa de “aprofundar a cooperação global”, priorizando os vizinhos regionais como novos polos de destino da produção chinesa. Entre os potenciais parceiros, estão países com os quais Pequim manteve, historicamente, relações tensas — o que reforça a guinada pragmática da política comercial chinesa diante do novo cenário internacional.