A declaração foi feita em entrevista à Rádio Mitre, da Argentina.
O presidente do Paraguai, Santiago Peña, afirmou nesta sexta-feira (4) que as denúncias de espionagem conduzida pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) contra autoridades paraguaias representam um retrocesso nas relações diplomáticas e reabrem traumas históricos entre os dois países.
Peña comentou pela primeira vez o caso, revelado na última terça-feira (1º), envolvendo uma suposta operação hacker conduzida por agentes da Abin durante as negociações sobre as tarifas da hidrelétrica binacional de Itaipu — empreendimento compartilhado por Brasil e Paraguai. De acordo com as reportagens, a agência brasileira teria invadido computadores de autoridades paraguaias para obter informações sigilosas relacionadas às tratativas sobre o excedente energético da usina.
“O Paraguai tem uma história bastante difícil na região. Em um momento de nossa história, tivemos que enfrentar uma guerra de extermínio, liderada principalmente pelo Brasil. E depois da guerra, o Brasil ocupou o território paraguaio por quase uma década. São feridas que buscas curar, mas esse episódio lamentavelmente abre essas velhas feridas”, afirmou o presidente.
Peña relatou ainda que, diante do episódio, suspendeu as negociações sobre Itaipu até que o governo brasileiro ofereça explicações formais e detalhadas sobre a operação. O embaixador do Brasil no Paraguai, Marcos Marcondes de Carvalho, foi convocado para prestar esclarecimentos em Assunção.
“Está claro que há ciberataques provenientes da China, e os Estados Unidos estão nos ajudando de maneira intensa. Mas nunca imaginei que estaríamos sujeitos a espionagem por parte de nossos irmãos, nossos vizinhos, os brasileiros”, disse o chefe de Estado.
Itamaraty confirma espionagem, mas responsabiliza gestão anterior
Em nota oficial divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) na segunda-feira (1º), o governo brasileiro reconheceu a existência da operação, mas afirmou que a ação foi autorizada em junho de 2022, durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, e foi encerrada em março de 2023, já sob a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“A citada operação foi autorizada pelo governo anterior, em junho de 2022, e tornada sem efeito pelo diretor interino da Abin em 27 de março de 2023, tão logo a atual gestão tomou conhecimento do fato”, informou o Itamaraty.
O ministério também negou qualquer envolvimento direto do presidente Lula na condução ou aprovação da espionagem.
“O governo do presidente Lula desmente categoricamente qualquer envolvimento em ação de inteligência, noticiada hoje, contra o Paraguai, país membro do Mercosul com o qual o Brasil mantém relações históricas e uma estreita parceria.”
Na mesma nota, o MRE reforçou o compromisso da atual gestão com a transparência e o respeito mútuo nas relações internacionais, destacando a relevância da parceria entre Brasil e Paraguai dentro do Mercosul.
“O governo do presidente Lula reitera seu compromisso com o respeito e o diálogo transparente como elementos fundamentais nas relações diplomáticas com o Paraguai e com todos seus parceiros na região e no mundo.”
Tensão diplomática pode afetar Itaipu e o Mercosul
A crise entre os dois países ocorre em um momento sensível para as negociações em torno do tratado de Itaipu, cujo anexo C, que trata da comercialização da energia excedente, está em revisão. O Paraguai alega que cedeu à pressão brasileira para reduzir os valores da tarifa de energia vendida ao Brasil.
O episódio também lança dúvidas sobre os esforços recentes para fortalecer o Mercosul, que tenta avançar em acordos comerciais com outros blocos econômicos, como a União Europeia.