A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de aplicar uma tarifa de 10% sobre produtos importados do Brasil foi recebida com certo alívio por analistas do comércio exterior.
A medida, anunciada na quarta-feira (2), apesar de representar um impacto para algumas áreas da indústria nacional, sinaliza que o Brasil não figura entre os principais alvos da política protecionista norte-americana.
A nova rodada de tarifas abrange uma série de países, com alíquotas significativamente superiores à aplicada ao Brasil. A China, por exemplo, foi atingida por uma taxa de 34%, enquanto União Europeia e Japão enfrentam tarifas de 20% e 24%, respectivamente.
Para Fernanda Brandão, professora de relações internacionais da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rio, o percentual reduzido aplicado ao Brasil indica que o país não está sendo tratado como uma ameaça relevante à economia americana. “A adoção de uma sobretaxa mais branda, de 10%, mostra que o Brasil não está sendo percebido como uma ameaça significativa para a economia americana”, avalia.
Segundo a especialista, o cenário pode até abrir oportunidades para a indústria brasileira, especialmente em segmentos de manufaturas mais básicas, como o têxtil, diante da perda de competitividade de países asiáticos atingidos por tarifas mais altas. “O ajuste de preferência pelo produto nacional [americano] não é automático, fora que a produção dos EUA de alguns bens não é suficiente para atender a demanda doméstica. Então [os EUA] vai continuar comprando do exterior”, explica. Países como China, Vietnã e Indonésia — importantes fornecedores de têxteis — foram mais duramente atingidos.
Pedro Brites, professor da FGV-S, ressalta que embora setores como o aeronáutico e o siderúrgico possam sentir efeitos negativos, o impacto imediato não deve ser expressivo. “Claro que haverá impacto para setores brasileiros que exportam, como o de aeronaves e o siderúrgico, mas não me parece que vai ser diretamente algo tão imediato e impactante como será para outros países, como a China”, afirma.
Na mesma linha, o economista André Perfeito considera que o Brasil escapou de medidas mais rígidas. “Para o Brasil saíram barato as tarifas”, comenta. Ele aponta o déficit comercial com os EUA como um dos fatores que explicam a decisão americana. “O que faz sentido, afinal, como tenho falado há algum tempo, temos déficits contra os EUA [na balança comercial], logo não seríamos alvo neste momento”, argumenta.
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, avalia que a tarifa não é motivo de comemoração, mas tampouco de alarde. “Pode dificultar alguma exportação, mas pouca coisa. Se nós tivermos condições de administrar nosso custo de produção, nós teremos a oportunidade de exportar alguma coisa a mais para os EUA, não apenas commodity, mas também manufaturados”, disse.
A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), por sua vez, divulgou nota em que afirma que a medida precisa ser analisada com cautela. “O impacto dependerá de como nossos concorrentes diretos foram tarifados. Se enfrentarem taxas ainda mais altas, pode haver uma vantagem competitiva para o Brasil, já que o custo adicional será repassado ao consumidor americano”, destacou o presidente da entidade, Flávio Roscoe.
O setor calçadista também vê uma possível janela de oportunidade, conforme aponta Haroldo Ferreira, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). “Esses países deverão perder competitividade no mercado americano, o que pode ser oportunidade para aumentar a exportação brasileira”, afirmou, referindo-se à China, Vietnã e Indonésia.
No entanto, ele também alerta para o risco de redirecionamento desses produtos a outros mercados. “Por outro lado, China, Vietnã e Indonésia não vão deixar de produzir. Vão pegar esses calçados e vão vender para outros mercados que o Brasil exporta. E podem disputar mercado no próprio Brasil.”
Entre os principais produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos estão bens semiacabados de aço, como blocos e placas, petróleo bruto, produtos de ferro e aeronaves. De acordo com dados do governo norte-americano, o Brasil está entre os três maiores fornecedores de aço para os EUA, ao lado de México e Canadá, com US$ 2,66 bilhões exportados em 2024.
Outro setor que pode sentir os reflexos das novas barreiras comerciais é o de autopeças. Trump anunciou recentemente tarifas sobre automóveis importados, o que pode ter impacto indireto nas exportações brasileiras de componentes. No ano passado, o Brasil enviou aproximadamente US$ 1,3 bilhão em autopeças para o mercado americano.
Vale lembrar que o governo Trump já havia imposto tarifas de 20% sobre todas as importações chinesas e alíquotas de 25% sobre aço e alumínio de diversos países. (Fonte: Folhapress)