Presidente norte-americano promete sobretaxa de 25% sobre produtos importados; Brasil teme impacto em exportações de aço e commodities agrícolas
O governo brasileiro acompanha com atenção o anúncio que será feito nesta quarta-feira (2) pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre a imposição de novas tarifas comerciais. A medida, chamada por Trump de “Dia da Libertação”, prevê sobretaxas de 25% sobre uma ampla gama de produtos importados, atingindo diversos países — inclusive o Brasil.
A expectativa do setor produtivo e do governo federal é de que produtos estratégicos, como o aço, o minério de ferro e algumas commodities agrícolas brasileiras, estejam entre os alvos da nova política protecionista. Atualmente, o Brasil exporta cerca de 4,5 milhões de toneladas de aço aos EUA, especialmente produtos semiacabados, fundamentais para a indústria norte-americana.
Reação cautelosa
Em entrevista concedida em Paris, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, classificou como “estranha” a possibilidade de o Brasil ser incluído entre os países punidos com tarifas adicionais. Para ele, não haveria justificativa econômica, uma vez que os Estados Unidos registram superávit comercial na relação com o Brasil.
“Causaria até algum tipo de estranheza se o Brasil sofresse uma retaliação injustificada, uma vez que temos uma mesa de negociação desde sempre com aquele país justamente para a nossa cooperação ser cada vez mais forte”, afirmou o ministro, após reunião com o ministro das Finanças da França.
Haddad também criticou a adoção de medidas protecionistas por parte da maior economia do mundo. “Quando a nação mais rica do mundo adota políticas protecionistas, parece não concorrer para a prosperidade geral. O mundo corre o risco de crescer menos, de aumentar menos a produtividade da sua economia”, disse.
Alckmin defende diálogo e proteção à indústria nacional
O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, também comentou o assunto e destacou a importância do relacionamento com os Estados Unidos, especialmente por serem destino de produtos brasileiros de maior valor agregado.
“Vamos aguardar qual a medida que os Estados Unidos vão tomar — não só em relação ao Brasil, mas em relação ao mundo”, declarou. Ele reiterou que o país seguirá buscando o diálogo. “O diálogo é permanente, o país é aberto ao diálogo, defensor do comércio exterior, da aproximação entre os povos, não tem litígio com ninguém. É o ganha-ganha”, acrescentou.
Na véspera do anúncio, o governo norte-americano divulgou um relatório de 397 páginas com análises sobre as práticas comerciais de seus parceiros. O Brasil foi citado em seis trechos do documento, com críticas à variação de tarifas dentro das regras do Mercosul. Alckmin minimizou o conteúdo, classificando-o como repetição de pautas antigas dos EUA.
No caso do etanol, por exemplo, o ministro reconheceu que o Brasil aplica tarifas mais altas, mas lembrou que produtores brasileiros também enfrentam barreiras para exportar açúcar ao mercado norte-americano.
Impactos geopolíticos e fragmentação comercial
Para o economista e professor de Relações Internacionais da ESPM, Roberto Uebel, o anúncio de Trump representa um movimento que vai além do comércio e afeta diretamente as relações geopolíticas globais. “Trata-se de um fenômeno que chamo de fragmentação da multilateralidade”, disse.
Uebel avalia que o Brasil pode mitigar os impactos diretos do tarifaço diversificando mercados, a exemplo de parcerias com países como Vietnã, Japão, Índia e Indonésia. No entanto, ele alerta para os efeitos indiretos da medida: “Minha maior preocupação são os impactos indiretos, especialmente no campo político. Como o Brasil se posicionará diante desse novo cenário internacional?”, questiona. “Optará por uma relação pragmática com os EUA e o fortalecimento dos BRICS, ou buscará uma abordagem mais multilateralista, priorizando grupos como o G20, a OCDE e o Mercosul?”
Reação do mercado
Apesar da tensão com a possível sobretaxa norte-americana, o mercado financeiro teve um dia de relativa estabilidade. O dólar comercial recuou 0,38%, fechando a R$ 5,682, enquanto o Ibovespa encerrou em alta de 0,68%, puxado por ações do setor de petróleo.
A valorização do petróleo foi impulsionada pela ameaça de Trump de impor tarifas ao produto russo. “Isso fez com que o petróleo subisse e acabou impulsionando as nossas petroleiras aqui; o setor de petróleo vem avançando, o que contribui com os setores de varejo e consumo, principalmente”, avaliou Rodrigo Moliterno, head de renda variável da Veedha Investimentos.
Segundo o analista, a aversão ao risco com os EUA tem levado investidores estrangeiros a reconsiderar suas estratégias de alocação, beneficiando mercados como o brasileiro. “O Brasil segue se apropriando de um fluxo positivo do estrangeiro. A política tarifária dos EUA tem feito o investidor repensar sua alocação”, disse.
Trump deve formalizar o pacote tarifário nas próximas horas. O governo brasileiro, por sua vez, espera o anúncio oficial antes de tomar medidas diplomáticas ou comerciais em resposta.