No segundo semestre do ano passado, a elevação dos preços das frutas foi observada devido à diminuição da safra nos principais países produtores da África.
A disparada nos preços internacionais do cacau está impactando diretamente os custos da indústria de chocolates e já se reflete nos valores praticados para a Páscoa de 2025. O preço da amêndoa de cacau acumulou alta de cerca de 180% nos últimos dois anos, com elevação mais acentuada no segundo semestre de 2024, causada por quebras de safra em importantes países produtores da África Ocidental.
A Costa do Marfim, maior produtora mundial da fruta, ainda enfrenta os efeitos de secas prolongadas e ondas de calor, o que deve comprometer a oferta também nesta temporada. “Isso vai influenciar o desenvolvimento da planta, a brotação e a formação dos frutos, e com isso uma menor oferta”, explica Letícia Barony, assessora técnica da Comissão Nacional de Fruticultura da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
Em Gana, segundo maior produtor global, o cenário é de possível recuperação, com projeções otimistas divulgadas pelo governo local. Já no Brasil, a expectativa é de crescimento da safra após anos consecutivos de queda. Atualmente, o país ocupa a sexta posição no ranking mundial, com 300 mil toneladas produzidas anualmente, sobretudo nos estados do Pará e da Bahia.
Apesar da perspectiva de expansão, o mercado permanece volátil. “A gente percebe, ainda assim, muita volatilidade e incerteza dentro do mercado, tanto em relação à oferta, quanto em relação à demanda e principalmente aos preços. Isso pega toda a cadeia de valor”, avalia Letícia Barony.
Impacto nas vendas e nas indústrias
A elevação dos custos já afeta desde os produtores artesanais até as grandes marcas do varejo. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab), a produção de ovos de Páscoa deverá ter retração de 20% neste ano. Mesmo assim, a entidade projeta a contratação de mais de 9,6 mil trabalhadores temporários, 26% a mais do que em 2024, com expectativa de efetivação de cerca de 20%.
A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) aponta que os preços dos ovos de chocolate e produtos derivados, como bombons e miniovos, subiram em média 14%. As colombas pascais, tradicional item da data, ficaram 5% mais caras.
Para manter as vendas, o setor aposta na diversificação de portfólio, com produtos menores e mais acessíveis. Como o chocolate não é um item essencial, seu consumo tende a cair diante de preços elevados.
Pequenos produtores enfrentam desafios
A escalada de preços é sentida especialmente pelos microempreendedores. A chef Dayane Cristin, de Osasco (SP), que produz trufas e ovos de colher para venda no transporte público, relata aumento nos custos e escassez de insumos.
“Eu vou cotando, o preço do chocolate tem aumentado, e em alguns lugares produtos como o chocolate branco estão em falta. Eu tenho me organizado, comprado em grande quantidade e com isso consigo um valor menor”, afirma. Apesar do planejamento, ela precisou reajustar o preço das trufas de R$ 3 para R$ 4 no início do ano.
Além do cacau, ingredientes como leite condensado, creme de leite e frutas também encareceram. A tabela de preços para a Páscoa só foi definida nesta semana. “Muitos clientes já pediam, mas eu esperei pois teve um aumento significativo [nos custos]. As caixas dos ovos estão muito caras, no meu caso eu vendo muito mais em ovo de colher. Minha meta esse ano é em torno de R$ 15 mil a R$ 20 mil”, diz a empreendedora.
Tecnologia e novos polos de produção
A CNA projeta um cenário positivo no médio prazo, com aumento da produção em novas áreas como o cerrado baiano, além da recuperação das lavouras no Pará e na Bahia. Estados como São Paulo e norte de Minas Gerais também despontam como alternativas viáveis, com sistemas produtivos mais tecnológicos, irrigação e cultivo a pleno sol.
“São pontos cruciais para que a gente tenha maior eficiência no uso da mão-de-obra, maior eficiência do processo como um todo e também melhor qualidade para melhor posicionamento de mercado desse produto”, observa Letícia Barony.
A tendência é de ampliação também no processamento doméstico do cacau, agregando valor à produção nacional tanto para o mercado interno quanto para exportações.
Cooperação internacional
A valorização da cadeia do cacau também é pauta da política externa brasileira. A ApexBrasil (Agência de Promoção de Exportações e Investimentos) participou recentemente de missão técnica em países africanos — Costa do Marfim, Gana e Nigéria — ao lado do Ministério da Agricultura e de representantes de 40 empresas do setor. A visita resultou na assinatura de termos de cooperação voltados à inovação e transferência de tecnologia.
Segundo a agência, embora detenham 60% da produção global, os países africanos ficam com apenas 6% da receita gerada pelo setor. “Uma organização dos cinco maiores produtores pode ajudar a aumentar a renda daqueles que estão na base da cadeia de produção”, destaca a Apex.