Falta de saneamento básico adequado segue como principal obstáculo à recuperação dos corpos hídricos
A situação dos rios que cortam a Mata Atlântica permanece crítica, de acordo com pesquisa divulgada pela Fundação SOS Mata Atlântica. O estudo, realizado ao longo de 2024, analisou 145 pontos de coleta distribuídos em 112 rios de 67 municípios em 14 estados brasileiros que integram o bioma. Os dados revelam estagnação em boa parte das amostras e um leve aumento dos locais classificados com qualidade ruim, indicando retrocesso na conservação dos recursos hídricos da região.
Segundo a entidade, o levantamento contou com a participação de voluntários e ampliou sua abrangência em relação ao estudo anterior — realizado em 2023 — com 18 pontos a mais. Os resultados demonstram que apenas 7,6% das amostras apresentaram qualidade boa, enquanto 13,8% foram consideradas ruins e 3,4%, péssimas. A maior parte, 75,2%, foi classificada como regular, evidenciando a vulnerabilidade dos rios da Mata Atlântica.
A pesquisa segue os critérios da Resolução nº 357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), utilizando 16 parâmetros que resultam no Índice de Qualidade da Água (IQA). Essa métrica avalia a viabilidade dos corpos d’água para o consumo humano, atividades agrícolas, recreação e a preservação da vida aquática.
Nenhum ponto monitorado atingiu a classificação “ótima”. O resultado mais recorrente — qualidade regular — já indica impactos ambientais relevantes, capazes de comprometer o uso da água para diversas finalidades. Quando os rios são classificados como ruins ou péssimos, o nível de poluição atinge proporções críticas, afetando tanto a biodiversidade quanto a saúde pública. É o caso do Rio Pinheiros, em São Paulo, que há mais de 50 anos sofre com ocupações desordenadas e lançamento direto de esgoto.
Soluções urgentes e alternativas
“A partir do marco legal do saneamento de 2020, o que temos visto avançar é o processo de privatização das companhias de saneamento, mas os investimentos ainda não aparecem. O rio nos conta tudo, e ele está nos dizendo que ainda faltam esses investimentos”, afirma Gustavo Veronesi, coordenador do programa Observando os Rios, da SOS Mata Atlântica.
O marco legal, que estabelece a meta de universalização do saneamento até 2033 — com 99% da população com acesso à água potável e 90% à coleta e tratamento de esgoto — ainda encontra obstáculos na prática. “O rio também nos diz que com as soluções tradicionais talvez não cheguemos em 2033”, alerta Veronesi, que defende alternativas sustentáveis e adaptáveis a contextos urbanos e rurais.
Um exemplo prático dessas soluções é o projeto desenvolvido por moradores no bairro do Butantã, zona oeste da capital paulista. A comunidade do Morro do Querosene implementou um sistema de permacultura no Parque da Fonte Peabiru, com apoio da Fundação. O projeto utiliza um Tanque de Evapotranspiração (Tevap) para tratar o esgoto doméstico de aproximadamente 30 pessoas, impedindo o lançamento de resíduos no Córrego da Fonte.
A moradora Cecília Pellegrini, que participa ativamente das ações de manutenção no parque, destaca a importância das soluções em pequena escala. “Além de resolver a questão do esgoto, o sistema beneficia a região com bananeiras, girassóis e outras plantas que filtram a água e mantêm a umidade do ambiente.”
Falta de políticas integradas
O relatório da SOS Mata Atlântica destaca que 35 milhões de brasileiros ainda vivem sem acesso à água tratada e metade da população não conta com esgotamento sanitário — realidade que continua sendo o maior entrave à melhoria da qualidade dos rios.
Apesar disso, o estudo aponta avanços pontuais, como no Córrego Trapicheiros, no Rio de Janeiro, e nos rios Sergipe e do Sal, em Sergipe, que evoluíram de “regular” para “boa”. Já o Córrego São José, na cidade de São Paulo, subiu da categoria “ruim” para “regular”. Por outro lado, houve piora no Rio Capibaribe (PE) e no Rio Capivari (SC), ambos impactados por esgoto lançado de forma irregular.
Para Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, o Brasil ainda encontra dificuldades para articular políticas de saneamento, meio ambiente e clima. “A sociedade civil precisa estar cada vez mais ativa nos comitês de bacia hidrográfica e na defesa da água limpa, porque o cenário não melhora sozinho”, afirma. “O retrato da qualidade da água dos rios da Mata Atlântica, construído por meio da ciência cidadã, reforça essa necessidade.”
Veronesi também ressalta que a pressão junto aos governos locais é essencial. “O município é o titular do saneamento e o responsável pela política pública. Sem isso, as concessões também perdem eficácia.”
Outros fatores que agravam o quadro, segundo ele, são o manejo inadequado de resíduos sólidos e o uso de agrotóxicos. “A poluição por embalagens e lixo muitas vezes não tem um responsável claro, ficando entre empresas e prefeituras. Já o controle de produtos químicos só ganha atenção em situações extremas, como a mortandade de peixes, mas carece de fiscalização contínua.”
