Trump defende reaproximação com Putin, ameaça impor tarifas ao Brasil e volta a falar em anexar a Groenlândia e recuperar o Canal do Panamá
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fez na noite de terça-feira (4) seu primeiro pronunciamento ao Congresso americano desde o início de seu segundo mandato. Em um discurso de tom triunfalista, exaltou sua administração, reafirmou a intenção de anexar a Groenlândia e retomar o controle do Canal do Panamá, além de sinalizar a possibilidade de novas tarifas sobre importações, citando o Brasil entre os países que podem ser afetados.
“Em apenas 43 dias, fizemos mais do que muitos governos em quatro ou oito anos, e estamos só começando”, declarou Trump. “O sonho americano está mais forte do que nunca e nosso país se prepara para um renascimento sem precedentes.” O discurso, que durou uma hora e quarenta minutos, tornou-se o mais longo já registrado por um presidente americano desde 1964.
Diante dos parlamentares republicanos e democratas, Trump adotou um tom semelhante ao de sua última campanha eleitoral, criticando seu antecessor, Joe Biden, e atacando o que chamou de “lunáticos radicais de esquerda”. Ele também celebrou a saída dos EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS), condenou políticas de diversidade e elogiou o bilionário Elon Musk, que acompanhou o evento e vem defendendo cortes agressivos nos gastos do governo.
Em relação à guerra na Ucrânia, Trump afirmou que Kiev está disposta a assinar um acordo para a exploração de minerais estratégicos, que deveria ter sido formalizado antes de uma tensa reunião entre ele e o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski. Trump alegou ainda que “conduziu conversas sérias” com Moscou e que recebeu “fortes sinais” de que a Rússia estaria disposta a negociar a paz.
A postura de Trump gerou reações distintas. Enquanto foi aplaudido com entusiasmo por membros do Partido Republicano, parlamentares democratas protestaram de forma silenciosa, exibindo cartazes contra seu governo. O deputado Al Green, do Texas, chegou a interromper o pronunciamento e foi retirado do plenário.
Tarifas e protecionismo econômico
Trump reforçou sua política econômica protecionista e sugeriu ampliar as tarifas sobre importações. Em sua fala, destacou que os Estados Unidos foram alvo de medidas comerciais desfavoráveis ao longo dos anos e que chegou o momento de reverter esse cenário.
“O Brasil, a China, a União Europeia, a Índia, o México e o Canadá impõem tarifas muito superiores às nossas. Agora chegou a nossa vez de aplicar essas medidas contra eles”, declarou. O republicano ressaltou que a Índia cobra taxas de importação de veículos superiores a 100% e que a Coreia do Sul adota tarifas quatro vezes maiores que as americanas.
Horas antes do pronunciamento, Trump já havia autorizado a elevação de tarifas sobre produtos importados do México, Canadá e China, e indicou que medidas semelhantes podem ser aplicadas a outros parceiros comerciais dos EUA.
Planos para a Groenlândia e o Canal do Panamá
O presidente americano voltou a expressar interesse em expandir a presença dos Estados Unidos sobre territórios estratégicos. Trump reiterou sua intenção de anexar a Groenlândia, território autônomo da Dinamarca, e afirmou que essa medida é essencial para a segurança nacional e internacional.
“Temos um compromisso com o povo da Groenlândia e apoiamos seu direito de escolher seu futuro. Se quiserem, serão bem-vindos aos Estados Unidos. Precisamos da Groenlândia para garantir nossa segurança e estamos negociando com todas as partes envolvidas para alcançarmos esse objetivo”, declarou. Em seguida, acrescentou: “Vamos consegui-la. De um jeito ou de outro, vamos consegui-la.”
Outro ponto destacado no discurso foi a intenção de recuperar o controle do Canal do Panamá, entregue ao governo panamenho em 1999 após um acordo firmado na gestão do ex-presidente Jimmy Carter. “O maior projeto já construído pelos Estados Unidos foi entregue por um dólar. Mas esse acordo foi violado. Não cedemos o canal à China, cedemos ao Panamá, e agora vamos retomá-lo”, afirmou.
Guerra cultural e segurança interna
Trump também reafirmou sua postura contra políticas de inclusão e diversidade, alegando que sua administração eliminou “a tirania das diretrizes de diversidade, equidade e inclusão” no governo federal e no setor privado. “O governo americano reconhece apenas dois gêneros: masculino e feminino. E assinei uma ordem para impedir que homens participem de esportes femininos”, declarou.
O presidente reforçou sua oposição à chamada cultura “woke”, termo usado para criticar movimentos progressistas. “Estamos eliminando essa ideologia de nossas escolas, Forças Armadas e sociedade”, afirmou.
Na área de segurança, Trump defendeu penas mais rígidas contra criminosos e propôs ampliar a proteção legal para policiais, incluindo imunidade contra processos. Ele também sugeriu a aplicação da pena de morte para condenados por homicídio de agentes da lei.
Ucrânia e reaproximação com a Rússia
A guerra na Ucrânia foi abordada apenas na reta final do pronunciamento. Trump voltou a alegar que os Estados Unidos destinaram US$ 350 bilhões ao conflito, enquanto os países europeus teriam contribuído com apenas US$ 100 bilhões. No entanto, segundo dados do Instituto de Kiel para a Economia Mundial, os números são diferentes: a Europa forneceu cerca de US$ 138,7 bilhões, enquanto os EUA contribuíram com aproximadamente US$ 119,7 bilhões.
O republicano afirmou que está “trabalhando incansavelmente” para encerrar o conflito e mencionou uma suposta carta de Zelenski, na qual o líder ucraniano teria expressado disposição para retomar negociações de paz e fechar um acordo para a exploração de minerais estratégicos. Contudo, o conteúdo da carta era idêntico a uma publicação que o próprio Zelenski havia feito horas antes em suas redes sociais.
Trump também argumentou que a retirada dos EUA do Afeganistão, conduzida pelo governo Biden, incentivou a invasão russa à Ucrânia. “Quando Putin viu o que aconteceu, percebeu que aquela era sua oportunidade”, afirmou, classificando a operação de retirada como um erro estratégico.
A recente reaproximação entre Washington e Moscou tem causado preocupação entre líderes europeus e autoridades ucranianas, que temem um possível abandono do apoio americano a Kiev. A suspensão do envio de novos pacotes de ajuda militar à Ucrânia, anunciada no mesmo dia do discurso de Trump, intensificou essas preocupações.
Com um pronunciamento extenso e repleto de declarações polêmicas, Trump reforçou sua agenda nacionalista e deixou claro que pretende adotar medidas que podem redefinir o papel dos Estados Unidos no cenário global. Seu discurso foi marcado tanto por aplausos entusiasmados da base republicana quanto por protestos silenciosos da oposição democrata, sinalizando que as tensões políticas no país continuarão a crescer nos próximos meses.
( Com DW )