Após a realização de testes, foi descartada a presença dos vírus Ebola e Marburg como causas do surto atual.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) informou nesta quinta-feira que o número de mortes relacionadas a um surto de doença desconhecida no noroeste da República Democrática do Congo (RDC) subiu para 60, com 1.096 casos registrados. Segundo o órgão, aproximadamente metade das vítimas fatais faleceram em até 48 horas após o início dos sintomas.
“A intensificação da vigilância de doenças identificou um total de 1.096 pessoas doentes e 60 óbitos em Basankusu e Bolomba (zonas de saúde do país), correspondendo a uma definição de caso ampla que inclui febre, dor de cabeça, calafrios, sudorese, rigidez na nuca, dores musculares, dor em múltiplas articulações e dores no corpo, coriza ou sangramento nasal, tosse, vômito e diarreia”, detalhou a OMS em comunicado.
Diante do aumento de casos, a OMS enviou especialistas à região para investigar a origem do surto e realizar testes laboratoriais. A entidade enfatizou que a doença apresenta uma taxa de letalidade significativa, sobretudo entre crianças menores de cinco anos, e classificou o episódio como uma “ameaça relevante à saúde pública”.
Os exames realizados até o momento excluíram os vírus Ebola e Marburg, ambos altamente letais e responsáveis por surtos esporádicos no continente africano. Das 571 amostras analisadas, 54,1% testaram positivo para malária. No entanto, a OMS destacou que a prevalência da doença na região é elevada e que os resultados não necessariamente indicam a causa do surto.
“A causa definitiva da doença em ambos os surtos permanece indeterminada (…) Dada a alta prevalência de malária na região, os resultados positivos do teste de diagnóstico rápido podem indicar coinfecção, o que exige uma investigação mais aprofundada”, afirmou a OMS em seu boletim.
A organização também indicou que exames adicionais para meningite serão realizados, além da análise de amostras de alimentos, água e elementos ambientais para verificar possíveis contaminações. O material foi encaminhado ao Instituto Nacional de Pesquisa Biomédica (INRB), laboratório de referência localizado em Kinshasa, capital do país.
Cenário do surto
Os casos foram identificados em duas vilas, Boloko e Bomate, separadas por aproximadamente 100 km, na província de Équateur. Ainda não está claro se há uma relação entre os casos nos dois locais ou se se trata de eventos independentes. Segundo a OMS, as localidades são interligadas apenas por estradas ou pelo rio Congo.
Os primeiros registros da doença remontam à vila de Boloko, na zona de saúde de Bolomba, onde três crianças menores de cinco anos faleceram entre 10 e 13 de janeiro, após consumirem um morcego morto. Até o fim do mês, a região contabilizou 12 casos e 8 mortes, sendo a maioria em Boloko e alguns em Danda, vila vizinha. Desde então, não foram notificados novos episódios.
Um segundo foco de infecção foi registrado no fim de janeiro em Bomate, localizada na zona de saúde de Basankusu. Até 15 de fevereiro, foram confirmados 419 casos e 45 mortes, sendo que 48,9% dos óbitos ocorreram em até 48 horas após o surgimento dos sintomas.
Na mais recente atualização da OMS, foram acrescentados 665 novos casos e 7 óbitos – sendo 141 deles na última semana. Dessa forma, o total acumulado chegou a 1.096 casos e 60 mortes. “Investigações clínicas, epidemiológicas e laboratoriais detalhadas estão em andamento para determinar a causa da doença e dos óbitos nas duas zonas de saúde”, diz o boletim da OMS.
Especialistas alertam para gravidade do surto
Michael Head, pesquisador sênior em Saúde Global da Universidade de Southampton, no Reino Unido, pontuou que “há uma enorme incerteza sobre esse surto”, mas reforçou que situações semelhantes podem ocorrer frequentemente em diferentes partes do mundo.
“Normalmente, esses surtos são controlados com relativa rapidez. No entanto, é preocupante o fato de termos centenas de casos e mais de 50 mortes, com sintomas semelhantes aos da febre hemorrágica amplamente relatados entre esses casos”, declarou.
Ele também destacou que, até o momento, os exames deram resultado negativo para Ebola e outros vírus semelhantes, mas alertou que poucos casos foram testados. “Os testes nunca são 100% precisos e é provável que, com a ampliação das análises, um patógeno específico seja identificado em algumas dessas amostras”, afirmou.
Paul Hunter, professor de Medicina da Universidade de East Anglia (UEA), no Reino Unido, lembrou que um surto semelhante foi registrado no final de 2023 na RDC. Posteriormente, descobriu-se que a causa era um agravamento da malária em meio a um cenário de desnutrição severa.
“Até o momento, não há informações conclusivas sobre o problema atual (…) Certamente é possível que estejamos diante de um episódio semelhante ao do último outono, envolvendo malária e desnutrição. No entanto, aguardamos os resultados das investigações para determinar a causa exata”, concluiu o especialista.