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Sonia Zaghetto: O luxo de ter um deputado honesto

Tiririca não nos fez favor algum. Foi regiamente pago. No Brasil nos damos ao luxo de pagar para ter um deputado mudo e inútil

O discurso de Tiririca pôs em êxtase o Brasil.
Em seu primeiro e único pronunciamento, o deputado-palhaço se converteu em novo herói na terra do sebastianismo crônico.

Ouso ocupar a cadeira de psicanalista da Nação para arriscar uma explicação: a da velha projeção dos desejos. Quem ansiava dizer tais coisas diretamente aos congressistas se sentiu vingado. “Alma lavada e enxaguada”, já diria Odorico Paraguaçu.
Afinal, o que disse o deputado para tocar a alma brasileira?
Que o Congresso é majoritariamente constituído por homens insensíveis, que não se preocupam com o povo. Nós pensamos assim.
Anunciou que estava decepcionado. Nós também estamos.
Pronto. Virou porta-voz. Foi logo aboletado num andor.
Outros elementos contribuíram para a comoção. Na tribuna estava um homem de voz tremida, evocando sua origem pobre, apresentando-se como uma flor em meio ao lodo (déjà vu?). Sua retidão autoproclamada brilhava a tal ponto que o coração de manteiga da brava gente brasileira não resistiu: abraçou aquele exemplar raro de político honesto.
Foi tal a emoção que não se hesitou em relativizar os quase invisíveis defeitos do novo herói: “Ah, melhor ele que os corruptos, né?”, “Está nos fazendo um favor em ocupar a cadeira onde certamente se sentaria um ladrão”. No Brasil de hoje, honestidade deixou de ser qualidade essencial de um parlamentar: tornou-se a única. Todas as demais foram desprezadas. Às favas se nosso futuro e leis caem nas mãos de gente supostamente honesta, porém despreparada e manipulável – fantoche nas mãos maquiavélicas dos macacos velhos que odiamos.
Por isso foi convenientemente esquecido que o deputado que se auto louvava como reserva moral entre corruptos e egoístas está há sete anos sem dizer palavra sobre os defeitos do Parlamento. Mais: permanecerá em meio ao lodo até dezembro de 2018. Afinal, a decepção não é tanta que valha a pena perder mais de 2 milhões em salários e benefícios, não é? Ora, ora, nada disso importa, pois Tiririca é um homem honesto.
Tanto em uma entrevista à Folha de SP (25/10/2017) como no discurso de ontem, o deputado-palhaço garantiu que jamais falará mal dos colegas deputados ou revelará o que testemunhou. Mas isso importa pouco, pois Tiririca é um homem honesto.
Na mesma entrevista à Folha de SP, declarou que apoiaria Lula “se nada aparecesse” contra o ex-presidente. Segundo Tiririca, Lula “foi fera” para o povo e ele, Tiririca, é do povo. Ou seja, Tiririca acredita que Lula não cometeu crime algum. Cabe a pergunta: o deputado não acompanha o noticiário ou concorda com os atos de Lula? Não importa a resposta, pois Tiririca é um homem honesto.
Em sua ânsia de se mostrar acima de seus pares, o novo tesouro ético do país mencionou que não usava o carro da Câmara e sim o seu próprio. Que carro?
Deputados não têm veículos cedidos pela Câmara. Apenas a Mesa Diretora tem direito a carro oficial. Ou seja, o deputado não sabe o básico do cotidiano parlamentar, mesmo após sete anos “trabalhando” na Casa. Mas este é um detalhe. O que importa é Tiririca ser um homem honesto.
O deputado passou sete anos invisível no Congresso. Além de ser brincalhão, afável e assíduo, o que fez de relevante? Coisa alguma. Uma nulidade.
Mas que importa isso? Nada, pois Tiririca é um homem honesto.
Tiririca é a nossa milícia silenciosa. Pagaremos R$ 16 milhões a ele, em oito anos de mandato, para que ocupe a cadeira na qual imaginamos que poderia ter se sentado um suposto corrupto. Nem cogitamos a possibilidade da tal cadeira ter sido ocupada por um deputado decente. Pagamos porque temos medo.
Desculpem-me os ingênuos, mas Tiririca não nos fez favor algum. Foi regiamente pago. No Brasil nos damos ao luxo de pagar para ter um deputado mudo e inútil. Só precisa ser honesto.
Por Augusto Nunes/Veja

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