Mãe soube que filho era um dos nove mortos em rebelião ao ver foto dele decapitado: 'Arrasada'
Maria de Fátima diz que, antes da confusão, havia sido informada que filho estava no hospital, mas não era verdade. Motim foi o primeiro de 3 que ocorreram em 5 dias, em Aparecida de Goiânia.
A costureira Maria de Fátima Sousa Rodrigues, de 53 anos, descobriu que o filho, Fernando Souza Pimenta, de 37, estava entre os nove mortos na primeira das três rebeliões em presídios de Goiás na última semana porque viu uma foto dele decapitado no celular da mãe de outro preso. Ela conta que não sabia que o filho estava no local, pois a direção da unidade disse, dias antes, que ele havia sido transferido para um hospital.
“Quando ela me mostrou, a primeira cabeça era do meu filho. Soube da pior forma do mundo. Estou arrasada”, lamentou ao G1.
Rodrigues estava preso há 1 ano pelo roubo de um celular e, há um mês, cumpria pena na Colônia Agroindustrial do Regime Semiaberto, em Aparecida de Goiânia, na Região Metropolitana da capital, onde ocorreu o motim.
Fernando morreu na rebelião que ocorreu segunda-feira (1º), quando presos invadiram alas de rivais. Além dos nove mortos, 14 ficaram feridos. Outros 242 presos fugiram, senqo que 88 continuam foragidos.
Três dias depois, na quinta-feira (4), presos se rebelaram na mesma unidade. No entanto, a polícia conseguiu intervir e controlar a situação. Não houve mortos ou feridos.
A última das três rebeliões ocorreu menos de 12h depois, na madrugada de sexta-feira (5), desta vez na Penitenciária Odenir Guimarães (POG), de regime fechado. Novamente, o confonto não deixou vítimas.
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Sem despedida
Maria de Fátima conta que viu o filho pela última vez em meados de dezembro. Ela planejava visitá-lo no dia 31, mas foi avisada pela assistência social do presídio, dois dias antes, que ele havia sido transferido para o Hospital de Urgências de Aparecida de Goiânia (Huapa). O homem estava com a perna infeccionada porque a platina que tinha na canela estava com rejeição.
Ao buscar informações sobre o filho na unidade de saúde, a informaram que ele não tinha dado entrada. Assim, no dia 31, ela voltou à cadeia e questionou, mas reafirmaram que Fernando estava no hospital. Mais uma vez ela voltou ao Huapa, e negaram a internação dele.
Maria de Fátima retornou ao presídio no dia 1º de janeiro. Logo após chegar, começou a rebelião e ela foi embora por causa da confusão.
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Para saber notícias do filho, no dia 2, ela foi mais uma vez à Colônia Agroindustrial. Foi quando ela viu a foto de Fernando morto e concluiu que ele não tinha saído da unidade para o devido tratamento.
“Ele não foi para o hospital, eles mentiram. Ele estava machucado, estava andando de muleta com a perna infeccionada. Podiam ter me deixado visitar meu filho pela última vez”, lamentou.
Em nota enviada ao G1, a assessoria de imprensa da Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP), novo órgão criado pelo Governo de Goiás para comandar o sistema prisional, disse que “quaisquer denúncias sobre problemas ocorridos no sistema prisional goiano devem ser efetuadas formalmente por meio dos diversos canais de comunicação disponibilizados, como Ouvidoria do Governo de Goiás, da Secretaria de Segurança Pública, do Ministério Público, Poder Judiciário, Defensoria Pública, entre outros”
Liberação do corpo
De acordo com Maria de Fátima, o corpo do filho só poderá ser liberado depois que a cabeça dele também for identificada. Ana Paula explica que este trabalho será realizado pelo Instituto Médico Legal (IML).
“Nesse caso, se trabalha em conjunto com os médicos legais, peritos para fazer esse resultado final. O nosso objeto de trabalho é com as digitais, mas DNA e arcada dentária fica a cargo dos médicos legais”, pontuou.
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Maria de Fátima espera que, com um exame antigo do crânio do filho, a identificação possa ser concluída para que enterre o filho o mais breve possível. Ela também pede ajuda para comprar o caixão e o terreno no cemitério.
“Se ele errou, estava pagando pelo preço dele, tem que pagar mesmo, mas não com a vida. Agora, quero pelo menos enterrar o corpo dele com dignidade”, diz.
Até a manhã deste sábado (6), os corpos de quatro detentos já tinham sido identificados. O primeiro deles foi o de Pablo Henrique Alves Silva, de 21 anos. Além dele, também já foram reconhecidos Ravel Nery de Amorim, de 20 anos, David de Oliveira Borges, 19, Waldevir Xavier da Silva, 41.
Situação dos presídios
O Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, onde está localizada cinco presídios, incluíndo os dois onde ocorreram as rebeliões, abriga quase três vezes mais presos do que a capacidade para a qual foi projetado. A avalição da Colônia Agroindustrial e da POG, palco dos motins, é considerada “péssima”.
O G1 teve acesso aos relatórios de inspeções feitos pelo CNJ entre dezembro do ano passado e janeiro deste ano. O trabalho do conselho identificou que o Complexo Prisional, que tem capacidade para pouco mais de 2 mil detentos, abrigava, na data das inspeções, mais de 5,8 mil presos.
Empossado nesta tarde como diretor Geral de Administração Penitenciária, o coronel Edson Costa afirmou que as inspeções feitas pelo CNJ, bem como a possível visita a Goiás da presidente do Supremo Tribunal Federal (STJ), a ministra Cármen Lúcia, devem contribuir para a elaboração de uma força-tarefa para diminuir os problemas do sistema prisional.
“Fico muito feliz que o CNJ tenha conseguido fazer essa avaliação. E o próprio conselho sabe que esse carimbo vale para 97% dos presídios do país. Então acho ótimo que a ministra Cármen Lúcia venha aqui, que seja estabelecido uma força tarefa para discutir essa questão”.
Ele também afirmou que, para resolver a crise penitenciária do estado, pretende transferir e isolar presos perigosos para unidades estaduais. “Com essa nova direção, vamos também estratificar a população carcerária. Estamos construindo cinco unidades estaduais e os presos mais perigosos, faccionário e com liderança negativa, vão ser transferidos para essas unidades sem regalia, distantes da família”, disse Costa.