'Elas chamavam as cafetinas de mães', diz delegada sobre grupo que explorava travestis no DF
A travestis vítimas de tráfico interestadual para prostituição no Distrito Federal chamavam as cafetinas de “mães”, segundo a delegada responsável pela Operação Império, que desarticulou o esquema criminoso, Elisabete Morais.
Na manhã desta terça-feira (26), a Polícia Civil cumpriu 11 mandados de prisão e 19 de busca e apreensão em cinco casas onde as travestis eram mantidas, em Taguatinga Sul e no Riacho Fundo. Dez suspeitas foram presas e uma está foragida. Segundo a delegada, ao menos 50 vítimas faziam trabalho sexual forçado para a organização.
“É uma técnica de dominação criar esse vinculo de afeto. Por trás não tinha nada disso. A gente percebeu que era uma manipulação pra criar afeto e a travesti acaba sem ter noção que é vítima”, disse Elisabete, à frente da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes por Orientação Sexual (Decrin).
“Ela acha que é uma família.”

Polícia Civil do DF prende suspeitas de tráfico interestadual de pessoas para prostituição
“É dificil pra elas entender que as mães são algozes. Elas não têm essa percepção.” A dificuldade para perceber o esquema como criminoso, de acordo com Elisabete, deve-se à inserção no meio da prostituição quando ainda são muito jovens.
“A vítima já se enxerga diferente no começo da adolescência. Geralmente a família não entende aquilo e ela passa a não frequentar escola. Ela vai atrás de uma pessoa parecida e essa pessoa está se prostituindo. Ela não vê outra perspectiva.”
A polícia também cumpriu madados de condução coercitiva contra as vítimas e recolheu seis carros, revólveres, facas, drogas, anabolisantes e dinheiro – ainda não contabilizado.
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Ponto de prostituição (Foto: Jonathan Lins/G1)
As ‘mães’
As dez cafetinas presas na manhã desta terça serão levadas ao Complexo Penitenciário da Papuda, onde vão responder por organização criminosa, rufianismo – obtenção de lucro a partir da prostituição alheia –, tráfico interestadual de pessoas, redução à condição análoga à escravidão, extorsão e ameaça.
Uma delas, conhecida como “bombadeira”, também deve responder por exercício ilegal da medicina, porque injetava silicone industrial no quadril das vítimas. “A aplicação era feita em casa. É um procedimento muito doloroso, que demora sete dias para passar a dor, porque é silicone de avião”, disse Elisabete à TV Globo.
Nos pontos de prostituição, as cafetinas “olheiras” e “soldados”, que faziam rondas nas áreas com armas de fogo e faca, extorquiam “estranhos” que aparecessem no local, segundo a delegada Elisabete.
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Travestis suspeitas de liderar organização que fazia tráfico interestadual de pessoas para prostituição no DF são presas (Foto: Bianca Marinho/G1)
As ‘filhas’
Segundo as investigações, a organização cooptava travestis em outros estados para trabalhar com prostituição na capital, principalmente no Pistão Sul em Taguatinga. De acordo com a delegada Elisabete, as vítimas eram atraídas pela internet, em redes sociais, e por meio de contatos de amigas.
Como é comum em esquemas de tráfico de pessoas, as vítimas são financiadas pelos próprios criminosos para aceitar uma promessa de emprego. Quando chegam ao destino, tornam-se dependentes do esquema e, no caso investigado pela Operação Império, são obrigadas a se prostituir para pagar as dívidas.
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Travestis aguardam clientes em esquinas de Maceió (Foto: Jonathan Lins/G1)
De acordo com a polícia, as travestis eram forçadas a viver em espécie de “repúblicas” administradas pela organização e precisavam pagar uma diária de R$ 50 a R$ 70 – mesmo que morasse em outro local. O esquema administrava cinco “repúblicas”, onde viviam entre 10 e 15 pessoas por unidade.
Para atrair mais clientes, os criminosos submetiam as vítimas a cirurgias plásticas e intervenções estéticas, como injeção de silicone industrial nos glúteos e implante nos seios. Segundo a polícia, eram os próprios líderes do esquema que realizavam os procedimentos.
Por Bianca Marinho, Luiza Garonce e Mara Puljiz/G1 DF