As narrativas tomam contam do debate sobre as eleições de 2018. Será um pleito polarizado entre os extremos, dizem uns. Surgirá um candidato de centro que afastará o risco. Um forasteiro tem mais chance, só alguém de fora poderá resgatar a credibilidade da política.
Quem sabe das coisas sabe que, a onze meses do pleito, não se sabe nada. A incerteza é grande. Qualquer um que diga o contrário o faz por interesse ou ingenuidade. Isso não impede, claro, que se especule. Nem que se discutam as principais incógnitas a respeito do cenário de 2018. Elas hoje giram basicamente em torno de quatro fatores:
- O fator Lula – A valer a atual velocidade dos julgamentos, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) deverá emitir sua primeira sentença a respeito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por volta de abril, mês em que termina o prazo para registro das candidaturas. A Lei da Ficha Limpa é clara: uma vez condenado em segunda instância, Lula fica impedido de concorrer. Mas – e sempre há um mas – o PT pretende recorrer a liminares para obter o registro. Não dá para dizer o que acontecerá. Se um presidente não pode permanecer no cargo quando se torna réu, alguém poderia assumi-lo depois de condenado já na segunda instância? Por pura questão de lógica, claro que não. Mas a lógica jurídica costuma adotar caminhos mais tortuosos que o trivial modus ponens. Da lógica política, nem se fala. Para Lula, interessará criar a maior confusão possível em torno de sua candidatura no ano que vem. Ele aparece em primeiro lugar nas pesquisas, tem noção perfeita da força de seu nome e também da rejeição enfrentaria caso passasse ao segundo turno depois de condenado. O PT teria de escolher outro candidato para ter mais chance de vencer. Alguém que pudesse ser aceito pela classe média, perdida para o partido desde o Mensalão. Nomes não faltam – de Fernando Haddad a Jaques Wagner. Ainda assim, será uma luta difícil, sobretudo se prevalecer o discurso radical que atende apenas a parcela restrita do eleitorado. O PT já demonstrou, com a eleição do próprio Lula, que sabe correr para o centro quando precisa. O rosto da corrida eleitoral dependerá da decisão que o partido tomar.
- O fator outsider – O candidato que aproveitou melhor o desmoronamento da credibilidade dos políticos foi Jair Bolsonaro, hoje em segundo lugar nas pesquisas. Deputado federal, ele não é exatamente um forasteiro, mas procurou construir sua imagem longe dos partidos convencionais. Sua campanha aposta na distância dos escândalos de corrupção e numa agenda de moralidade, lei e ordem. Bolsonaro enfrentará vários limitadores a seu crescimento. O primeiro é sua posição no espectro ideológico. A defesa implícita do regime militar, o elogio à tortura e o desprezo pelos direitos humanos tornam sua candidatura de difícil aceitação pelas elites, sem as quais ninguém governa. Para suprir sua confessada ignorância em economia e afastar a pecha nacionalista naturalmente associada aos militares, ele decidiu tomar um “banho de loja” de liberalismo. É óbvio, como ficou claro em sua viagem recente aos Estados Unidos, que é um idioma estrangeiro para ele. Por enquanto, sua candidatura é popular apenas entre as classes mais altas, sobretudo entre quem faz uso intensivo das redes sociais. Sem apoio de uma estrutura partidária robusta, ele terá tempo limitado na televisão, essencial para sua mensagem atingir o eleitorado mais pobre. Há, enfim, a dificuldade natural que todo discurso extremista enfrenta numa eleição em dois turnos. Para vencer, Bolsonaro também precisaria caminhar para o centro e, ao contrário do PT, jamais demonstrou saber fazer isso. Tais fragilidades levam muitos a apostar noutros forasteiros. O principal nome que circula é Luciano Huck, o apresentador de TV. Seu perfil condiz mais com a expectativa das elites. Mas, como candidato, Huck seria uma aventura ainda maior que Bolsonaro. Este ao menos é um deputado eleito, em pleno exercício do mandato. Tem discurso e programa. Sobretudo, conhece as regras invisíveis do universo político – até mesmo para violá-las e construir sua imagem pouco ortodoxa. Huck vem de um universo estranho à política, regido por leis até antagônicas a ela. Como o prefeito de São Paulo, João Doria, Huck parece acreditar que tudo se resolve por meio da imagem. Também como Doria, rapidamente transformado de outsider em insider, seu encanto poderá se revelar efêmero. Uma candidatura sem recheio nem sabor, cuja energia cintila brevemente no céu, depois some rápido como as luzes dos fogos de artifício.
- O fator Lava Jato – Este ano marcou o desgaste da Operação Lava Jato. Depois do começo ameaçador, com a delação do fim do mundo da Odebrecht, os tropeços da Procuradoria-Geral da República abriram a brecha para a reação da classe política. O Termidor começou na libertação do ex-ministro José Dirceu, demonstrou sua força na absolvição da chapa Dilma/Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral e culminou na rejeição das duas denúncias contra o presidente Michel Temer pela Câmara dos Deputados. As últimas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) tornam menos apavorante o o bicho-papão que ameaçava devorar todos os partidos. No refluxo, voltam a emergir as candidaturas convencionais (como a do próprio Lula). Se a Lava Jato recuar ainda mais – sem troféus de relevo como foram Lula, José Dirceu e Antonio Palocci, Eduardo Cunha ou Temer –, o principal beneficiado será o governador paulista, Geraldo Alckmin. Discreto, político experiente e profissional, soube dar a corda necessária para Doria, seu pupilo tornado desafeto, se enforcar sozinho. Sua campanha se distanciaria dos extremos, Lula e Bolsonaro. As dificuldades estariam no desgaste do PSDB (provocado pela Lava Jato e pela associação ao governo Temer) e na ampliação do espaço para fora de São Paulo. Mas Alckmin conhece bem o tempo da política. “O cidadão só começa a pensar no candidato quando vai buscar o título de eleitor na gaveta, depois de 7 de setembro”, costuma dizer.
- O fator economia – A recuperação permitiu ao governo mais impopular na história do Brasil sonhar com candidato próprio, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Mas as chances dele são reduzidas, por ser menos conhecido que as alternativas no mesmo lado do espectro, como Alckmin, Huck ou Bolsonaro. Se a economia for o principal tema da eleição em vez da corrupção, o Brasil voltará a viver uma batalha em torno de ideias conhecidas: privatizações, reformas e programas sociais. Foi esse o embate essencial que opôs PT e PSDB nas últimas eleições. Não é impossível que o filme se repita.
Por Helio Gurovitz/G1
Henrique