20 livros para conhecer o início da colonização de Goiás, que completa 300 anos em 2022

/ Periscópio
Por Nilson Jaime*
A civilização goiana faz questão de esquecer suas origens indígenas: não se tem sequer notícia de quem seriam nossas ancestrais ameríndias, embora os bandeirantes que para cá vieram não trouxessem mulheres. A miscigenação é uma verdade inconveniente, um sacrilégio contra o branqueamento pretendido e socialmente aceito
Ainda falta um grande livro sobre a história de Goiás e seu processo de formação, “fundação” e colonização. Um livro generalista, que abranja e permita ao leitor conhecer os antecedentes de sua colonização, desde a Vila de São Paulo de Piratininga (1554). Um trabalho analítico dos fatores que motivaram os bandeirantes em sua “marcha para o Oeste” a criarem povoados e arraiais, que se transformariam depois em vilas e cidades por toda a “região dos Goiazes”, abrangente dos hoje estados de Goiás e Tocantins, e do Distrito Federal. Que também mensure os impactos desse encontro de civilizações sobre os povos originários indígenas. Mais que uma simples dizimação, como se propaga, a colonização se deu por assimilação – através da superposição e mistura, segundo os conceitos de Alfredo Ellis Júnior (1896-1974) em seu “Populações Paulistas” (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1934. 364 páginas) –, e mesmo a preservação das etnias indígenas ainda hoje existentes em Goiás.
Referências importantes da historiografia goiana, Americano do Brasil (“Súmula de História de Goiás” – 1961, e “Pela História de Goiás” – 1980); Colemar Natal e Silva (“História de Goiás”) e Luís Palacin (“História de Goiás”, com Maria Augusta de Sant’Anna Moraes; e “História de Goiás em documentos – colônia”, com Ledonias Franco Garcia e Janaína Amado), ou se omitiram ou abordaram o bandeirismo “de passagem”, por uma ou duas páginas, apenas para justificar as incursões dos Anhangueras e seus antecessores por esta região. Semelhantemente, Modesto Gomes (“Estudos de História de Goiás”, 1974) aborda o bandeirismo apenas com os olhares para os Bartolomeu Bueno da Silva, pai e filho, sem se aprofundar no fenômeno do bandeirismo paulista e formação étnica dos mamelucos que compunham essas bandeiras, comumente confundidos com portugueses.
O livro de Amália Hermano Teixeira (“História de Goiás”, 2011, 585 páginas, organizado “post-mortem” por Eleuzenira Maria de Menezes e Janete Romano Fontanezi) ainda não teve a atenção merecida. Extenso, e por isso menos atraente ao leitor que os anteriormente citados, é o que mais se dedica ao tema do bandeirismo, incluindo os troncos familiares que deram origem aos conquistadores que colonizaram Goiás, e algumas linhagens deles originados.
Todos esses historiadores beberam da fonte de Raymundo José da Cunha Mattos (“Chorographia histórica da Província de Goiás”, 1979) e de José Martins Pereira de Alencastre (“Anais da Província de Goiás – 1863”, publicado em 1979), muitas vezes se esquecendo de Saint Hilaire (“Viagem às nascentes do rio São Francisco e pela província de Goiás”, Companhia Editora Nacional, 1937) primeiro a escrever sobre os Bartolomeu Bueno da Silva, pai e filho, e a traçar um “quadro geral da província de Goyaz”.
O economista e historiador Paulo Bertran (1948-2005) dedicou-se à história colonial (“Notícia Geral da Capitania de Goiás em 1783”, de 1997) e à pré-história de Goiás (“História da Terra e do Homem o Planalto Central, 1994), com enfoque na região do Distrito Federal e Entorno de Brasília, enquanto que a professora-doutora Marivone Matos Chaim em “Os aldeamentos indígenas na capitania de Goiás – sua importância na política de povoamento – 1749-1811”, de 1974, estudou os remanescentes das etnias indígenas até à chegada da família real ao Brasil. Marlene Castro Ossami de Moura coordenou o minucioso trabalho “Índios de Goiás – uma perspectiva histórico-cultural” (Vieira; UCG, 2006. 378 páginas), que envolveu oito pesquisadores. A história moderna de Goiás tem dezenas de especialistas, com trabalhos relevantes sobre diversos temas e períodos, como a 1ª República (Lena Castelo Branco Ferreira de Freitas, Francisco Itami Campos, Nasr Fayad Chaul, Maria Augusta Sant’Ana de Moraes, Victor Aguiar Jardim de Amorim, Abílio Wolney Aires Neto); mudancismo (Jales Guedes Coelho Mendonça); história ambiental (Sandro Dutra e Silva, Giovana Galvão Tavares, Itami Campos); cidades (Antônio César Caldas Pinheiro, Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado, Ramir Curado); Revolução de 1930 (Ana Lúcia da Silva); mineração (Ricardo Jr. De Assis Fernandes Gonçalves); folclore e festividades (Tereza Caroline Lôbo, João Guilherme da Trindade Curado, Aline Lôbo, Clóvis Carvalho Britto, Paulo Brito do Prado e Rafael Lino Rosa); socioambientalismo (Eguimar Felício Chaveiro); Século XX (Cristiano Arrais, Eliézer Oliveira, Tadeu Arrais) e política (Dalva Borges de Souza, Pedro Célio Alves Borges), dentre outros. Contudo, existe um vácuo na interligação das gentes paulistas com Goiás, que vá além do Anhanguera.
A civilização goiana faz questão de esquecer suas origens indígenas: não se tem sequer notícia de quem seriam nossas ancestrais ameríndias, embora os bandeirantes que para cá vieram não trouxessem mulheres. A miscigenação é uma verdade inconveniente, um sacrilégio contra o branqueamento pretendido e socialmente aceito. Não seria mais honesto e producente buscarmos nossa ancestralidade guaianá (de quem descendem os mamelucos bandeirantes) e Goiá, descobrindo os nomes de nossas bisavós, trisavós e tetravós cunhãs?
O objetivo desta lista é dar conhecimento ao leitor do vasto rol de literatura existente sobre os povos que habitaram outrora o Planalto de Piratininga, onde hoje está assentada a cidade de São Paulo, cujos descendentes vieram para Goiás e colonizaram este estado.
“Dicionário de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil – Séculos XVI, XVII e XVIII” (Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp. 1989. 443 páginas)

Publicado originalmente em 1953 pela Comissão do IV Centenário de São Paulo – jubileu acontecido em 1954 – esse dicionário de Francisco de Assis Carvalho Franco (1886-1953) é a mais importante obra sobre o bandeirismo e o sertanismo brasileiro. O verbete sobre Bartolomeu Bueno da Silva (o “Anhanguera”, pai), ocupa quase cinco páginas, tanto na versão original quanto na edição em capa dura editada pela Itatiaia e Edusp. O dicionário traz as referências ao final de cada verbete, facilitando o aprofundamento da pesquisa pelo leitor. A maioria dos fundadores de cidades em Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e São Paulo, ligados ao bandeirismo, estão presentes no dicionário. Sua leitura e consulta são obrigatórias a todos os pesquisadores do tema e estudiosos da história do Brasil Central.

“Primeiros Povoadores do Brasil (1500-1530)” (São Paulo: CDN, 1939. 309 páginas)
Esse livro de J. F. de Almeida Prado foi publicado na 5ª série da Biblioteca Pedagógica Brasileira, volume 37, para a extensa “Coleção Brasiliana” da Companhia Editora Nacional, edição que tenho em minha biblioteca. Existem, contudo, edições posteriores da mesma editora. Dedicado a Affonso d’Escragnolle Taunay, o livro é dividido em quatro partes. A primeira, “o português na era dos descobrimentos” é uma introdução sobre as razões pela qual Portugal lançou-se ao mar, assumindo a hegemonia das Grandes Navegações nos Séculos XV e XVI. A Parte 2, “As primeiras expedições para o Brasil” traz uma cronologia desde Pedro Álvares Cabral, em 1500, até à expedição colonizadora de Martim Afonso de Souza, em 1530. A terceira parte descreve os “Povoadores Europeus pré-coloniais”, dentre eles o icônico João Ramalho, personagem capital para o sucesso da colonização do Brasil, já que por seu intemédio os portugueses conquistaram a paz com os índios da região de São Vicente e do Planalto de Piratininga, ponto de partida da maioria das expedições colonizadoras para o Oeste e Sul Brasileiro. Finalmente, a quarta parte descreve os “Índios quinhentistas do Brasil”. Essa obra tem um capítulo somente com notas explicativas, índice onomástico e uma extensa bibliografia, pouco usual para a época. Livro essencial para se conhecer os primórdios do Brasil e a formação dos povos mamelucos que originariam os bandeirantes que colonizaram o interior do país.

“História da Cidade de São Paulo – a cidade colonial 1554-1822” (São Paulo: Paz e Terra, 2004. 672 páginas)
Trata-se da mais extensa obra sobre a formação da maior cidade brasileira, parte de uma trilogia que envolveu, somente nesse volume 1 (período colonial), 16 autores, coordenados por Paula Horta, a organizadora do trabalho em capa dura. Além das 672 páginas, sua importância para esta seleção reside na descrição da presença indígena na história de São Paulo; a fundação e transição de Vila de São Paulo de Piratininga para Cidade de São Paulo; o papel da Linha de Tordesilhas na Capitania de São Vicente; a relação dos indígenas com portugueses e castelhanos; a vida social e econômica, o tropeirismo, o bandeirante e os monçoneiros; e diversos outros temas distribuídos nos dezesseis capítulos da obra, encerrados com uma cronologia. Um dos mais significativos trabalhos para se entender o fenômeno do bandeirismo e a marcha pra o oeste dos séculos XVII e XVIII.
“A formação do Estado de São Paulo, seus habitantes e os usos da terra” (São Paulo: Cenpec, Imprensa Oficial, 2004. 208 páginas).

Coordenado por Maria Alice Setúbal, esse livro envolveu três historiadores (Anicleide Zequini, Valderez A. da Silva e Maria Daniela B.de Camargo) e um antropólogo (Maurício Érnica) e faz parte da “Coleção Terra Paulista – história, arte e costumes” (3 volumes). Apenas o volume 1 tem correlação direta com as conquistas territoriais que se desdobrariam na colonização de Goiás, particularmente as partes 1 (A fundação de São Paulo e os primeiros paulistas: indígenas, europeus e mamelucos) e a parte 2 (Paulistas em movimento: bandeiras, monções e tropas). As partes 1 e 2 (dentre quatro) do livro tratam dos Primórdios da colonização de São Vicente; a expedição de Martim Afonso de Souza e a fundação da vila de São Vicente; o Governo-Geral e a ocupação do planalto de Piratininga; a vocação da São Paulo mameluca para o interior; o fenômeno das Bandeiras; o caminho das águas pelas monções e a “poeira da estrada” do tropeirismo. Livro importante, apresentado por Pedro Correia do Lago.

“História das Bandeiras Paulistas” 3ª edição (São Paulo: Melhoramentos, 1975. 337 páginas), de Affonso de E. Taunay. Escrito em três volumes, esse livro descreve o esforço da expansão geográfica e social dos bandeirantes paulistas, motivado por razões econômicas e políticas. Um livro que revela a descoberta do sertão pelos mamelucos bandeirantes, a caça ao índio como mão-de-obra, a descoberta do ouro, a expansão das fronteiras, as monções para Cuiabá e as povoações que derivaram da colonização promovida por esses povos, ocasionando uma profunda modificação no mapa do Brasil e em sua história.
“O caminho do Anhanguera – a inédita história do Brasil Central”. (Brasília: Instituto Terra Mater Brasilis, 2009. 111 páginas).

Nesse livro Gustavo Chauvet e um grupo de estudiosos refazem o Caminho do Anhanguera, quase 300 anos depois, buscando ilustrar como era o Brasil durante o bandeirismo dos séculos XVII e XVIII. O livro descreve a viagem que os pesquisadores fizeram entre março e novembro de 2008, percorrendo cerca de dez mil quilômetros, por 40 municípios, atravessando os estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás, até o Distrito Federal. Foram feitas filmagens de “igrejas, museus, fazendas centenárias e construções coloniais, unidades de conservação e outros atrativos ambientais, como trilhas e cachoeiras, a culinária típica da região e da época do Brasil Colonial, além de diversos ‘causos’”. As gravações originaram uma série de TV de 52 capítulos, com duração média de 14 minutos cada. Esse livro, colorido e ricamente ilustrado, apresenta um resumo da icônica viagem do grupo.
“Náufragos, traficantes e degredados – as primeiras expedições ao Brasil” (Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2016. 176 páginas), edição revista e ampliada, de autoria do historiador Eduardo Bueno. Com a escrita em linguagem simples, leve e divertida que lhe é peculiar, o autor biografa os náufragos, traficantes de escravos e degredados, dentre os quais se inclui João Ramalho, resgatando o “importante papel que desempenharam na construção do Brasil, ao se aliarem aos índios e conquistar poder político, intermediando o comércio com potências europeias”.

Nesse aprazível e surpreendente romance histórico – bastante verossímil com a história relatada nos livros de José de Anchieta, Manoel da Nóbrega e outros sobre a história de São Paulo – Haroldo Miramontes biografa o personagem João Ramalho, desde suas origens em Vouzela, Portugal. Relata as lendas sobre sua chegada ao Brasil, por volta de 1495, antes de Cabral, portanto; seu consórcio com Bartira, filha do Cacique Tibiriçá, maioral dos indígenas que habitavam os campos de Piratininga; o encontro com Martim Afonso de Sousa e o apaziguamento dos guainazes e tupiniquins com os portugueses; e a fundação de Santo André da Borda do Campo, ponto divisório entre o litoral e o sertão. Esclarece também a fundação da Vila de São Paulo de Piratininga; a invasão dessa vila e a formação de gerações de mamelucos, descendentes de João Ramalho e Bartira, que empreenderiam incursões e bandeiras por Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. Essas conquistas modificaram a conformação geográfica do Brasil, permitindo a Portugal a posse de terras outrora sob o domínio espanhol.
“Aconteceu no velho São Paulo” (São Paulo: Saraiva, 1954. 163 páginas)
Romance histórico, de Raimundo de Menezes, sobre a fundação da Vila de São Paulo de Piratininga; as lendas e mitos sobre João Ramalho; as façanhas dos Bartolomeu Bueno da Silva – os Anhangueras; a coroação de Amador Bueno da Ribeira – “o rei de São Paulo”; a contenda entre os Camargo e os Pires, famílias com inúmeros descendentes em Goiás; Domingos Jorge Velho e a derrocada do Quilombo dos Palmares; os bandeirantes Fernão Dias Paes – “o caçador de esmeraldas” –, Borba Gato e Pedro Taques; a proclamação da independência; e muitos outros acontecimentos que impactaram, direta ou indiretamente, a história de Goiás.“O enigma de João Ramalho” (São Paulo: Clube do Livro, 1963. 146 páginas)
Esse romance histórico de Afonso Schmidt, veio na esteira das comemorações do 4º Centenário de São Paulo, em 1954, biografando a mítica figura do náufrago, ou degredado, João Ramalho. Este português exerceu notória influência sobre seu tempo e sobre os próximos séculos em todo o Brasil, através de seus descendentes, os mamelucos bandeirantes que transporiam os limites do Tratado de Tordesilhas, de 1594, conquistando terras para Portugal.

Outros dez livros
“Relatos Sertanistas” (Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp. 1981. 232 páginas), de Affonso de E. Taunay (1876-1958). Parte da Coleção Reconquista do Brasil, volume, 34, esse livro foi publicado originalmente em 1954, durante as comemorações do 4º Centenário de São Paulo.
“Relatos Monçoneiros” (Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp. 1981. 232 páginas) de Affonso de E. Taunay (1876-1958). Parte da Coleção Reconquista do Brasil, segunda série, volume 33.
“Populações Paulistas” (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1934. 364 páginas), de Alfredo Ellis Júnior. Livro da “Coleção Brasiliana”, da Biblioteca Pedagógica Brasileira, série V, volume 27.
“A Vila de São Paulo de Piratininga – Fundação e Representação” (São Paulo: Anablume; Fapesp, 2007. 259 páginas), autoria de Cylaine Maria das Neves.
“A grande aventura dos jesuítas no Brasil” (São Paulo: Planeta, 2016. 239 páginas), de Tiago Cordeiro.
“Cartas – Informações, fragmentos históricos e sermões” – Cartas Jesuíticas 3 (Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp. 1988. 562 páginas), de José de Anchieta (1534-1597). Parte da Coleção Reconquista do Brasil, segunda série, volume 149.
“Cartas do Brasil” – Cartas Jesuíticas 1 (Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp. 1988. 258 páginas), de Manoel da Nóbrega (1517-1570). Parte da Coleção Reconquista do Brasil, segunda série, volume 147.
“O caminho do ouro – uma nova bandeira pela trilha do Anhanguera” (Campinas, SP: Empresa Regional de Comércio Eletrônico, 2004. 208 páginas), organizado por João Garcia.
“Gigante de Botas” (São Paulo: Editora Saraiva, 1961. 152 páginas). Novela histórica sobre a fundação de Goiás, escrita pelo casal Ofélia e Narbal Fontes. Um clássico da renomada Coleção Saraiva, com mais de 200 títulos, publicados a partir de 1948.
“Genealogia Paulistanana” (São Paulo: Duprat & Comp., 1903 a 1909. 9 volumes). Série de nove livros, autoria de Luiz Gonzaga da Silva Leme, sobre as principais famílias da antiga São Paulo, muitas delas com descendência em Goiás, como os Bueno e os Camargo, que deram origem a toda a família Fleury e seus milhares de descendentes, dentre eles as famílias Sócrates, Confúcio, Jayme, Cícero, Sêneca e outras.
Nilson Jaime* – Mestre e Doutor em Agronomia, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG), do Instituto Bernardo Élis (Icebe) e presidente da Sociedade Goiana de História da Agricultura (SGHA). Professor e pesquisador, atualmente ocupa o cargo de Superintendente de Fomento e Incentivo à Cultura da Secult-Go.